Suzi Aguiar

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Rezem por mim

por Suzi Aguiar

O mundo acordou triste. O Papa mais humilde que conhecemos voltou a casa do Pai. Foi o Papa da simplicidade e o amor aos pobres. Desde a primeira aparição, trocou a pompa do vermelho e se apresentou ao mundo em vestes brancas. Puro de alma, simples de coração.

Nunca vou esquecer aquele momento na Praça de São Pedro. Ao se apresentar como Papa, Jorge Mario Bergoglio abençoou a multidão e, ao final, fez um pedido que nos acompanharia por toda sua jornada: “Rezem por mim.” E eu rezei. Todos os dias. O quarto mistério do Rosário que recito quase diariamente era por ele — pela sua saúde, sua lucidez, pela força de continuar conduzindo as mudanças que a Igreja Católica precisava. E foram tantas.

Na série Dois Papas, pudemos vislumbrar sua trajetória ainda antes do sacerdócio — um homem marcado por fé, arrependimento, coragem e compaixão. Escolhido por Deus, decidiu entregar-se aos oprimidos, aos excluídos, ao povo pobre. Seguiu a imagem e semelhança a Jesus Cristo.

Sob sua liderança, a Igreja deu passos importantes rumo à inclusão. Destaco, com profundo respeito e gratidão, sua incansável luta pela conciliação religiosa e étnica. Francisco nunca se cansou de repetir: “Todos somos iguais diante de Deus.” Acolheu famílias não tradicionais, reforçou que toda forma de amor merece respeito e autorizou que padres pudessem abençoar uniões homoafetivas — não como casamento, mas como gesto pastoral de acolhimento. Imagine, caro leitor, o quanto foi criticado pela ala conservadora. Também por isso, minha profunda admiração.

Sua visão de mundo ultrapassava fronteiras. Foi um verdadeiro embaixador da paz. Estendeu pontes de diálogo com líderes muçulmanos, judeus, budistas e tantas outras crenças. Enfrentou o desafio do ecumenismo com humildade e coragem. Sua fé inabalável nunca foi obstáculo ao respeito pela fé do outro.

Nem tudo, porém, ele conseguiu mudar. A ala conservadora dos cardeais ainda bloqueou algumas transformações, como o reconhecimento mais amplo da atuação das mulheres na Igreja. Em especial, a permissão para que pudessem rezar missa em comunidades longínquas da Amazônia — proposta que ele mesmo apoiava, mas que não prosperou. Ainda assim, o gesto de tentar já diz muito.

Francisco foi, e será sempre, um farol. Um guia espiritual que optou por caminhar com o povo, falando a linguagem do amor, da compaixão, do respeito. Hoje, com lágrimas nos olhos, elevo meus pensamentos aos céus, na certeza de que ele já escuta, sereno e em paz. E como ele nos ensinou a pedir sem medo, peço agora, com o coração apertado: Rezem por ele. E que ele reze por nós.

Publicado em 22 de abril de 2025 (30.029)

A crucificação em cena cotidiana

Por Suzi Aguiar

É Semana Santa. Os sinos repicam memórias antigas. Em cada templo, em cada encenação, renascem os passos da paixão: o beijo de Judas, o silêncio de Pedro, o julgamento de Pilatos, a escolha de Barrabás, o clamor do povo. Jesus, mais uma vez, caminha para a cruz.

Mas engana-se quem pensa que essa história se encerra nos evangelhos. Ela se repete, discreta e impiedosa, no teatro da vida real.

Quantas vezes já fomos Judas, trocando confiança por trinta moedas simbólicas? Um negócio escuso, uma mentira conveniente, uma traição sutil no momento certo. Quantas partilhas viram campos de batalha, onde irmãos se ferem por migalhas de herança?

Quantas vezes vestimos o manto de Pedro? Negamos o que nos cabe, não por medo dos soldados, mas por comodidade. Quando o pai vira as costas ao filho. Quando o filho esquece os pais que envelhecem em silêncio. Quando desviamos os olhos diante da miséria alheia, fingindo que não vimos o corpo estirado na calçada. “Não é comigo”, dizemos, lavando o rosto com a água morna da indiferença.

E quantas mãos já se ergueram como as de Pilatos? Lavadas, limpas, inertes. Preferimos a neutralidade dos que não se envolvem, dos que apontam o dedo ao governo, ao sistema, ao outro, esquecendo que a omissão também condena. “Que façam os que têm obrigação”, dizemos, como se a compaixão tivesse cargo e função pública.

Barrabás, por sua vez, continua sendo escolhido. Injustiças são perdoadas com naturalidade. Gritamos por condenações apressadas, preferimos o conforto de apoiar os nossos, mesmo quando erram. Muitas vezes, a verdade é vendida a preço de conveniência.

E o povo? Ah, o povo somos todos nós. Que ontem gritaram “Hosana!” e, hoje, clamam “Crucifica!”. Que oscilam entre aplauso e apedrejamento, conforme sopra o vento da opinião. Que riem do tropeço alheio, que se embriagam do sofrimento dos outros, que esquecem de se colocar no lugar do outro, mesmo por um instante.

A crucificação de Cristo continua em curso — nas pequenas mortes que causamos uns aos outros todos os dias. O madeiro não está mais no alto do Gólgota, mas nas esquinas da cidade, nas filas dos hospitais, nos lares silenciosos, nos gestos que ferem em vez de curar.

Jesus escolheu o lado dos que sofrem. Carregou sua cruz sem revolta, mas com lágrimas. E, no auge da dor, também gritou: “Meu Deus, por que me abandonaste?”

Quantas vezes repetimos esse clamor? E quantas vezes ignoramos os que o murmuram perto de nós?

Refletir sobre isso é a verdadeira celebração. Porque a Páscoa — páscoa no seu sentido mais profundo — é passagem. É travessia. É deixar para trás o que nos endurece e escolher, com coragem, um caminho mais justo, mais humano, mais verdadeiro. Que a cruz não seja apenas símbolo, mas espelho.

Publicado em 19 de abril de 2025 (29.955)

Não é uma questão de escolha

Por Suzi Aguiar
Outro dia, me peguei lembrando das minhas Páscoas de infância. Não dos ovos de chocolate, curiosamente, porque, na verdade, não lembro de tê-los ganhado enquanto criança. Tudo se resumia a um pacote de balas Toffee, dividido entre os sete. Lembrava das procissões pelas ruas da cidade, do som das orações nas novenas que nunca perdíamos, das velas acesas com cuidado. Naquela época, tudo parecia sagrado. A gente era criança, mas entendia que havia algo maior acontecendo ali. Sentíamos.

O tempo corre depressa e, com ele, muitas das nossas tradições escorregam pelos dedos como areia fina. Lembro que o cheiro do incenso na igreja se misturava ao aroma do pão feito em casa. Era uma época de silêncio, de reflexão, de preparar o coração. A Semana Santa não era apenas mais uma semana — era um mergulho profundo no amor sacrificial de Cristo.

Hoje, confesso, a Páscoa me chega mais silenciosa e triste. Os supermercados anunciam com semanas de antecedência que o “coelhinho está vindo”, e as crianças, é claro, ficam animadas — especialmente porque, além do chocolate, os ovos atualmente trazem as mais variadas surpresas, tudo em honra ao consumismo. Mas me pergunto: será que elas sabem quem mais está vindo?

A Páscoa perdeu o foco — ou melhor, ganhou um novo: mais doce, mais colorido, mais comercial. E não me entenda mal, eu gosto de chocolate, gosto de ver os pequenos com os olhos brilhando ao encontrar seus ovos escondidos pela casa. Mas o brilho no olhar que eu mais sinto falta é aquele que vinha ao ouvir falar da ressurreição de Cristo. Aquela sensação de que algo profundo tinha acontecido — e que aquilo mudava tudo.

Eu já conhecia a lenda, mas fui pesquisar sobre o tal coelhinho e seus ovos. Descobri que vêm de tradições pagãs, ligadas à fertilidade, à primavera. Faz sentido: o coelho se multiplica, o ovo simboliza vida nova. Bonito, até. Mas o sentido da Páscoa cristã também é vida nova — só que de um jeito mais profundo. É a vida que renasce do sacrifício, da entrega, do amor incondicional.

A questão não é escolher entre Cristo ou o coelhinho. É lembrar que, sem Cristo, o coelhinho perde o sentido. Fica só a casca. A casca do ovo: bonita por fora, vazia por dentro. Nesta Páscoa, mais do que chocolate, ofereça presença. Sente-se com seus filhos ou netos e conte a história do homem que lavou os pés dos amigos antes de ser traído. Enfatize que amor de verdade é aquele que não espera nada em troca. Que a cruz não é o fim, mas o começo. E que a ressurreição é mais do que um milagre — é um convite.

Sim, deixe o coelhinho correr solto, desde que ele não te faça esquecer do que realmente estamos celebrando. Acredite: a Páscoa pode ser as duas coisas — Bum tempo de doçura… e de fé.

Publicado em 12 de abril de 2025 (29.843)

O Dia Azul

por Suzi Aguiar

O azul que simboliza o dia 2 de abril não é apenas uma cor, mas um convite à compreensão. Foi escolhida como símbolo porque muitas crianças autistas demonstram afinidade por essa tonalidade. O Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo nos lembra da importância de conhecer e acolher as diferenças, enxergando além do que os olhos podem ver.

No cotidiano, muitos percebem pequenos sinais em crianças próximas: dificuldade de contato visual, pouco interesse em interações sociais, resistência a mudanças na rotina ou sensibilidade a sons e luzes. Algumas preferem brincar com o mesmo objeto por horas; outras apresentam movimentos repetitivos, como balançar o corpo ou bater as mãos. Esses traços não definem por completo uma pessoa, mas podem indicar a necessidade de um olhar atento e especializado.

Para algumas famílias, receber o diagnóstico de autismo pode parecer um desafio imenso. Medo, insegurança e dúvidas são sentimentos naturais que surgem diante do desconhecido. No entanto, em vez de se tornarem barreiras, essas incertezas podem ser pontes para o entendimento. Afinal, o que realmente importa é o amor e a disposição para apoiar cada passo da criança.

O conhecimento é o melhor aliado. Quanto mais cedo se compreende a condição e se busca apoio, mais oportunidades se abrem. Hoje, há profissionais especializados, terapias acessíveis e informações disponíveis para auxiliar no desenvolvimento das crianças dentro e fora da escola. Cada avanço, por menor que pareça, é uma grande conquista quando há dedicação e incentivo.

Aceitar e compreender são os primeiros passos. Cada criança tem sua forma única de perceber o mundo, e isso não é um obstáculo, mas uma nova perspectiva. Muitas pessoas autistas levam vidas independentes, trabalham, estudam e inspiram. O segredo está em entender que o desenvolvimento não segue uma única trajetória – há diversos caminhos, e todos podem levar ao crescimento.

Que este dia sirva para refletir, aprender e, principalmente, incluir. O mundo se torna mais bonito quando há espaço para todas as cores – e o azul é uma delas, vibrante, cheia de possibilidades e repleta de histórias para contar.

Publicado em 2 de abril de 2025 (29.684)

Onde você joga o seu lixo?

por Suzi Aguiar

Sou joaquinense e bem bairrista. Amo minha cidade, vibro com cada conquista e todo progresso. Quero vê-la sempre bonita e sustentável. Por isso, fico chateada ao ver sujeira espalhada por toda parte e a falta de zelo com as praças e jardins residenciais.

Tenho uma lembrança especial do tempo em que morei em Apiúna, uma pequena cidade próxima a Blumenau, em Santa Catarina. Em 1994, ela tinha cerca de 5 mil habitantes. No dia seguinte à minha chegada, logo cedo, ao abrir as janelas, vi duas vizinhas varrendo as calçadas em frente às suas casas, indo até o meio da rua. Nos dias seguintes, observei que essa cena se repetia: outras moradoras, no mesmo vai e vem da vassoura, retiravam as folhas secas. As ruas da vizinhança estavam sempre limpas.

“Cada um faz a sua parte”, respondeu-me uma delas quando perguntei por que varriam também a rua. Essa cena nunca saiu da minha memória. Eram mulheres simples, mas que entendiam seu papel na sociedade. Se cada um cuidar do seu próprio espaço, a limpeza se torna mais fácil e o ambiente, mais agradável para todos.

São Joaquim recebe muitos visitantes, e suas ruas são seu cartão de visita. Mas manter a cidade limpa ainda é um desafio. Infelizmente, muitas pessoas jogam lixo em qualquer lugar, contando com a “ajuda” do vento para espalhá-lo por toda parte.

Meu cuidado com o lixo começa dentro de casa. Separo tudo: restos de comida são bem embalados para evitar vazamentos e mau cheiro; lavo as embalagens de vidro e plástico antes de colocá-las na lixeira de recicláveis; vidros quebrados, coloco dentro de embalagens de leite para evitar que os garis se machuquem. Pequenas atitudes que, se adotadas por todos, resolveriam um grande problema.

Muitas pessoas zelam pelo ambiente, mas, infelizmente, nossa cidade nem sempre reflete esse cuidado. Pelas ruas, encontramos bitucas de cigarro, embalagens, garrafas e sacolas plásticas espalhadas por todos os cantos.

Por muito tempo, a limpeza da cidade foi negligenciada. Por isso, fiquei surpresa e feliz ao ver que a nova gestão está implementando um projeto para melhorar a limpeza e a coleta de lixo. Mas não podemos esquecer: cidade limpa não é a que mais se varre, mas a que menos se suja.

E você, já parou para pensar onde joga o seu lixo?

Publicado em 28 de março de 2025 (29.548)

O ovo, a nova joia da gastronomia

por Suzi Aguiar

Quem diria que um dia as galinhas seriam as novas influenciadoras do mundo da moda e do luxo? Se antes elas ciscavam humildemente pelo quintal, em breve desfilarão de salto alto e óculos escuros, debaixo da asa um celular de última geração para fechar negócios milionários.

Nos Estados Unidos, onde a criatividade não tem limites, já tem gente alugando galinheiros com duas a quatro galinhas para garantir o fornecimento de ovos frescos. O pacote vem completo: ração balanceada, manual de instruções e, quem sabe, um tapete vermelho para a entrada triunfal das novas estrelas do mercado.

No Brasil, o tradicional pão com ovo, que já foi sinônimo de economia, agora virou artigo de luxo. Com o preço dos ovos subindo mais rápido que foguete da NASA, logo, logo o lanche simples do trabalhador só poderá ser encontrado em cardápios de restaurantes sofisticados, servido em tábuas de madeira rústica e descrito como “experiência gastronômica sensorial”.

E não podemos esquecer dos atletas e marombas de plantão! O ovo há muito tempo é um queridinho das dietas de quem quer ganhar massa muscular. Gracyanne Barbosa, por exemplo, já revelou consumir cerca de 40 ovos por dia. Mas com os preços atuais, se continuar nessa rotina, logo vai precisar de um empréstimo bancário para sustentar a dieta.

Enquanto isso, as galinhas, conscientes do seu novo status, estão cada vez mais exigentes. Já não se contentam com milho qualquer – agora só aceitam alimentação orgânica e ração importada. Algumas já cogitam fechar contratos publicitários com marcas de luxo, e dizem as más línguas que uma delas foi vista entrando na sede da Louis Vuitton para encomendar uma bolsa feita com penas sintéticas – afinal, ética é tudo.

Se a tendência continuar, talvez no futuro vejamos ovos sendo vendidos em joalherias, com certificado de autenticidade e embalagem de veludo. E quem quiser um simples omelete no café da manhã terá que financiar em 12 vezes sem juros.

E assim, o ovo, que já foi símbolo da simplicidade, se reinventa e se torna um dos maiores investimentos da atualidade. A próxima bolha econômica talvez não seja do mercado imobiliário, mas sim do mercado avícola.

Invista agora ou prepare-se para ver seu café da manhã virar uma lembrança distante dos tempos de fartura.

Publicado em 21 de março de 2025 (29.427)

A casinha ou o mundo?

por Suzi Aguiar

Desde pequena, ela aprende a brincar de casinha. A boneca no colo, o pano improvisado como fralda, a mamadeira cheia de faz de conta. A menina canta cantigas de ninar, embala a boneca, imita os gestos que vê todos os dias ao seu redor.

Faz comidinha, varre a casinha, põe a mesa e serve a refeição imaginária com delicadeza. Tudo faz parte do jogo, mas também de algo maior: uma lição silenciosa, um roteiro que se escreve antes mesmo que ela possa entender as palavras.

Nos lares conservadores, a menina que gosta de bola ou de carrinho é vista com espanto. “Não é coisa de menina”, dizem, como se o simples ato de escolher um brinquedo pudesse definir destinos inteiros. Enquanto ela é incentivada a ajudar nos trabalhos da casa, a dobrar roupas, a lavar louça, os meninos acompanham os pais na pescaria, na limpeza do jardim, aprendem a mexer em ferramentas, a segurar um martelo com firmeza.

Crescem sabendo que o mundo é deles para conquistar, enquanto elas aprendem a cuidar, a esperar, a se conformar. Sim, caro leitor, há mais famílias que ainda educam assim do que você pode imaginar.

Mas em outros as regras são diferentes. Meninos e meninas dividem as tarefas da casa, brincam juntos de boneca e carrinho, aprendem desde cedo que cuidar não é exclusividade feminina e que liderar não é um privilégio masculino. Crescem vendo mães que são engenheiras, pais que cozinham o jantar, irmãos que lavam a louça juntos. Aprendem que podem escolher, que podem ser o que quiserem, sem medo de julgamentos.

E assim, duas realidades se formam. Na primeira, a menina cresce para ser mulher que cuida, que organiza, que concilia sonhos com obrigações herdadas. Na segunda, ela cresce livre para sonhar, para decidir seu próprio caminho sem carregar pesos que nem sempre lhe pertencem.

Mas a história não termina aí. O empoderamento feminino ressignifica essas trajetórias, transforma limitações em escolhas e fortalece a mulher para ocupar qualquer espaço que desejar. A menina que aprendeu a brincar de casinha agora pode decidir se quer habitá-la ou explorar o mundo. Com educação, liberdade e equidade, ela se torna dona do próprio destino, rompendo ciclos construindo novas narrativas para as próximas gerações.

A casinha ou o mundo? A escolha é de cada menina.

Publicado em 12 de março de 2025 (29.144)

Deu a louca no tempo-II

por Suzi Aguiar

Genteee! Definitivamente deu a louca em São Pedro. Os termômetros do mundo estão desregulados. Como chicletes velhos a pele gruda, o cabelo mela e a indisposição toma conta. Sair as ruas nos horários que antecedem e sucedem o almoço, fica difícil. Estamos derretendo mais rápido do que sorvete.

Desde que a tecnologia chegou no Paraiso Celestial o santo tem enfrentado muitas dificuldades. Os problemas normais da milésima idade o afetaram muito: as mãos tremulas, desajeitadas, o problema depois da catarata e a inabilidade para usar os teclados, são fatores decisivos para o caos instalado. Mas tudo é também sobre o quanto somos culpados por este forno o que o país se transformou, não é mesmo?

Além do calorão, enxurradas, chuvas torrenciais, alagamentos, desmoronamentos e enchentes se espalham. Famílias pobres que vivem em regiões de risco são as que mais sofrem. Pessoas perdem tudo, de novo, de novo e de novo.

São Pedro bem que tentou corrigir isso, mas ao apertar a tecla errada de novo, em vez de amenizar o calor, programou tempestades de proporções bíblicas. O dilúvio de 40 dias foi abreviado para 40 minutos, mas com intensidade suficiente para transformar avenidas em rios e calçadas em cachoeiras. “Ops!” – murmurou o santo, suando frio.

Ao tentar regular a temperatura do Brasil, o ancião apertou a tecla 4, em vez de 1 para ajustar o aquecimento global e as consequências estão aí. Felizes somos nós, os aposentados, que escolhemos os horários que queremos enfrentar o inferninho lá fora. Entretanto, para aqueles que trabalham ao ar livre seja na agricultura, na pecuária, nas construções, limpeza de praças passam o maior sufoco.

Enquanto isso, aqui embaixo fingimos que nada está acontecendo. Que o calor é normal para a época, que as árvores caídas deviam ter sido cortadas há tempos, que chuva assim cai todo verão.

Cansado de tantos erros e das reclamações humanas, São Pedro pediu ajuda ao Suporte Técnico Celestial. Um anjo estagiário chegou, olhou a tela e deu um suspiro: “Senhor, o problema não é só o sistema, é que os humanos deixaram o planeta no modo autodestruição.”

São Pedro coçou a cabeça e resmungou: “E eles ainda acham que a culpa é minha…”

Publicado em 27 de fevereiro de 2025 (29.007)

O mundo corre. Eu agora, caminho

Por Suzi Aguiar

Enquanto o tempo atropela quem tem pressa, eu saboreio cada instante como quem prova um doce raro. Não sou refém do relógio nem escrava da urgência. O tempo, para mim, tem outro compasso e eu danço no ritmo que a aposentadoria me dita. Minha paz é sagrada, mas não sou de ferro.

Tenho uma calma preguiçosa para tudo. Para abrir os olhos devagarinho e receber a luz de cada dia. Para acordar arrastando os chinelos pra ir até o banheiro, ligar o chuveiro e deixar a água varrer a leseira até a última gota.

Tenho calma para dar minha caminhada matinal vendo o sol despontar no horizonte e as ondas do mar estourarem na areia fininha. Para preparar uma mesa deliciosa de café e sorver o aroma que se espalha pela casa.

Tenho calma para ir ao supermercado e escolher frutas e legumes fresquinhos que vou cozinhar sem pressa no horário que a fome chegar. Sentar a mesa é sempre muito especial. Assim como provar demoradamente os diferentes sabores ou para preparar um chá e esperar ele esfriar na temperatura certa para o primeiro gole.

Tenho calma para ver o dia se despedir tingido o céu de cores incríveis, para sentir o cheiro de terra molhada depois da chuva e ver as folhas se esticando ao sol. Tenho calma para ouvir minha música preferida de olhos fechamos deixando cada nota penetrar minha alma.

Tenho calma para fazer uma visita, para rever amigas nem que seja pelas redes sociais. Para ler um bom livro, ah, para este quesito tenho todo tempo do mundo!

Mas não tenho calma para acompanhar as notícias de política, pois elas sempre me deixam angustiada e muitas vezes furiosa. Para ver injustiças sociais e o descuido com a natureza. Me incomodo muito com a quantidade de lixo deixados na areia da praia; isopor de pranchas quebradas desde minúsculas partículas a pedaços grandes, bituca de cigarro, canudinhos de plástico… falta bom senso e consciência ecológica. Também me aborreço com todos os tipos de preconceito.

Não tenho calma para procurar algo que perdi dentro de casa, especialmente quando já estou atrasada, nem para as filas demoradas, quando estou com fome. Não tenho calma para ver pessoas furando filas, desrespeitando regras ou ignorando o bem coletivo.

Não tenho a menor calma para quando a tecnologia falha na hora que mais preciso e, comigo pilotando as telas, elas falham muito. Por que será, né? Mas por mais louco que pareça não tenho calma para escrever a mão e aí sim, amo a tecnologia!

Publicado em 18 de fevereiro de 2025 (28.804)

O Retorno ao nada

por Suzi Aguiar

Ao história nos conta que Oriente Médio é marcado por ciclos de exílio e retorno a terra, tanto para os judeus quanto para os palestinos. Hoje pela TV vimos imagens fortes, de uma multidão de palestinos regressando para casa depois do cessar fogo entre Hamas e Israel. Isto nos reporta as imagens de filmes bíblicos que mostram os judeus em fuga na passagem do Mar Vermelho. Ambos os povos buscando sua terra, seja por promessa divina ou por direito. Ambos acreditando na justiça e no destino.

Sandálias empoeiradas, malas, caixas, sacos e trouxas, tudo o que o que restou, entre o fugir e voltar, ocupa um pequeno espaço. No caminho a angústia de não saber o que encontrar, quem encontrar; amigos? famílias? pais e filhos perdidos pela tragédia…

Em meio ao caos da guerra, este mar de pessoas atravessa caminhos de sofrimento. São famílias inteiras que, após meses de deslocamento forçado, retornam àquilo que um dia chamaram de lar. O que encontram, porém, é desolador: ruínas de casas que abrigaram risos, sonhos e esperanças. A alegria do regresso é ofuscada pela tristeza de ver tudo destruído, mas as memórias, estas não foram bombardeadas.

É impossível não se perguntar: como é regressar para o nada? Para as crianças, a guerra é um quadro que nunca se apaga. Nos olhos delas, estão gravadas imagens de explosões, de noites intermináveis nos abrigos, de choro contido por medo de atrair a atenção do perigo. Jovens que deveriam estar traçando planos para o futuro, agora carregam o peso de lembranças que os acompanharão por toda a vida. Como construir algo novo sobre um alicerce de dor?

Os sentimentos são um confronto constante. A esperança de recomeçar se choca com a angústia de encarar a destruição. Há também a frustração diante da inércia global, do descaso de governantes que, muitas vezes, preferem fechar os olhos às crises que não os afetam diretamente. Mas o que podem fazer esses líderes para minimizar o impacto dessa volta tão traumática? Investir na reconstrução é urgente, mas não basta. É necessário cuidar das feridas invisíveis, oferecer suporte psicológico, garantir acesso à educação, saúde e dignidade. Sim, caro leitor, eu sei que é utopia, a história mostra que os esforços dos governantes sempre são muito aquém dos necessários.

Enquanto isso, o mundo continua clamando por paz, como um eco que parece se perder no vazio. Os horrores da guerra, porém, insistem em assolar a vida de milhares de pessoas. A Faixa de Gaza é apenas um exemplo de uma realidade que se repete em tantos outros cantos do planeta. Os sobreviventes que retornam, encontram escombros não apenas materiais, mas também emocionais. E, mesmo assim, seguem em frente, com uma resiliência que nos faz refletir sobre a nossa própria vida e sobre a humanidade.

Que essas histórias sirvam de lição para que um dia, a paz deixe de ser apenas um ideal inalcançável e se torne uma realidade concreta. E que o retorno ao nada se transforme em reconstrução de tudo.

Publicado em 31 de janeiro de 2025 (28.502)

 

Ele é um tirano

por Suzi Aguiar

Na última semana, os olhos do mundo se voltavam para Washington para acompanhar a posse de Donald Trump. Seu ar autoritário, o olhar de desdém como se dissesse aquela famosa frase “vocês vão ter que me engolir”, enquanto falava de suas tomadas de decisão. A plateia de apoiadores incansavelmente o aplaudia em pé. Eu, da minha poltrona, ouvia pasma as suas pontuações.

Eu podia fazer aqui várias observações, mas opto por pontuar dois assuntos de inteira importância: a ideologia de gênero e a energia renovável.

Começou dizendo que vai revogar as leis de seus antecessores que abordam estes temas: “Reconheceremos apenas dois gêneros: masculino e feminino”, afirmou. Sua declaração foi recebida com críticas ferozes de seus opositores. Em um momento histórico em que as discussões sobre identidade de gênero alcançam novos patamares, a fala de Trump parecia um retrocesso. Segundo ele, a ideologia “confunde” as famílias americanas e desestabiliza os valores tradicionais.

O mundo todo corre em sentido contrário, muito mais delicado e difícil do que gostar de pessoas do mesmo sexo é se ver como alguém diferente do que a sua certidão de nascimento grifa. Hoje mesmo soube de uma história tão triste onde a namorada de 18 anos descobre que o namorado, na verdade é uma menina. A insegurança de não saber lidar com a situação afastou os dois. Um mar de lágrimas brotou de ambos por não entenderem as situações que a vida os impôs. Não dá para ignorar.

Outro ponto polêmico de seu discurso foi quando ele deixou claro que a energia renovável e os tratados internacionais não terão espaço no seu governo. Falou da era do ouro, que é tempo para enriquecer o povo americano, que o país vai voltar a ser o centro do mundo. Seu ego nenhum pouco tímido, seu olhar antipático me dava asco. Fiquei pensando como se sentiam os 49% de americanos que não votaram nele?

Afirmou seu compromisso com a independência energética dos Estados Unidos, mas sob uma perspectiva que reacendeu controvérsias globais. Ele anunciou a retirada oficial do país do Acordo de Paris. Destacou a promoção de combustíveis fósseis como pilares estratégicos para o crescimento econômico e que retirará subsídios a energias renováveis e incentivos a carros elétricos. As iniciativas de sustentabilidade tomadas por governos anteriores serão revogadas e os debates sobre o futuro climático do planeta foram deixados à margem.

O mundo clama por mudança no sentido de abraçar a pluralidade, Trump a nega. Quem está certo? O que o futuro dirá? Qual dessas visões prevalecerá. Desejo que a maioria continue defendendo a diversidade e o meio ambiente, afinal, isto nos torna humanos.

Encerrar a semana testemunhando brasileiros deportados retornarem ao país algemados foi um choque para todos nós. Este episódio é apenas um sinal de que o homem mais importante do mundo é um tirano.

Publicado em 28 de janeiro de 2025 (28.414)

O sonho da paz

por Suzi Aguiar

A notícia chegou em meio à rotina turbulenta dos dias de guerra: Romi Gonen, Emily Damari e Doron Steinbrecher estavam livres. O anúncio foi discreto, quase sussurrado entre manchetes maiores, mas incendiou corações com uma chama de esperança. Em um conflito onde a dor parece não ter fim, três mulheres retornando à liberdade é uma fagulha que ilumina a escuridão.

Nas horas que antecederam a entrega, o mundo prendeu a respiração. Famílias aguardavam com os olhos fixos em telefones e televisores, enquanto analistas do mundo todo desvendavam os termos do acordo entre Israel e o Hamas. O cessar-fogo era frágil, mas o suficiente para permitir que essas três mulheres cruzassem o limiar entre o cativeiro e a liberdade. Cada minuto parecia interminável, mil questionamentos se espalharam pelo planeta, mas a promessa de reencontro sustentava a esperança coletiva.

Fico a imaginar a tensão e o alívio se sobrepondo na mente das escolhidas e de todos os parentes e amigos. O mundo parou diante da TV para assistir. O medo de que algo não desse certo afetava a esperança. Sob os cuidados da Cruz Vermelha, as mulheres atravessaram a linha que separava os territórios em conflito. Romi, Emily e Doron eram mais do que indivíduos libertados; eram símbolos de uma luta silenciosa travada por milhares. O rosto delas, marcado pelo sofrimento, revelava uma coragem inquestionável.

Posso escutar a respiração entrecortada e o pavor na viagem até o ponto de entrega. Fico imaginando tudo que passou na cabeça delas ao percorrer as estradas, agora em ruínas, que testemunharam os horrores e o desespero de uma existência incerta de cada uma. Dentro do veículo, o peso do cativeiro ainda estava lá, mas agora mesclado à esperança de reencontrar seus entes queridos. Cada quilômetro percorrido era um passo em direção à normalidade perdida.

A chegada ao ponto de entrega foi cercada por uma mistura de alívio e emoção. Famílias choravam, repórteres registravam, e o mundo assistia com o coração apertado. As três mulheres, ao cruzarem o último portal para a liberdade, foram recebidas com abraços que pareciam querer apagar todo o sofrimento vivenciado. Não havia palavras suficientes para descrever a magnitude daquele momento, mas as marcas do que viveram jamais se apagará.

Finalmente, a chegada em casa. Romi, Emily e Doron retornaram não como as mesmas pessoas que partiram, mas como sobreviventes. As ruas foram tomadas por vizinhos, amigos e desconhecidos, todos desejando compartilhar a alegria do retorno. Era um momento de celebração, mas também de reflexão: um lembrete da fragilidade da vida e da importância de persistir, mesmo nos dias mais sombrios.

A libertação dessas três mulheres não encerra o conflito, mas lança uma faísca de esperança. Em tempos tão turbulentos, pequenos momentos de humanidade como esse mantêm vivos os sonhos de paz.

Publicado em 21 de janeiro de 2025 (28.326)

Estamos chegando, Brasil

Por Suzi Aguiar

O prêmio no Globo de Ouro como melhor atriz de drama deu à Fernanda Torres um lugar nunca habitado antes por brasileiros. A oportunidade de pisar no red carpet com certeza foi um momento de muita emoção, mas dividir a indicação com atrizes consagradas deve ter sido uma sensação incrível. A atriz, também consagrada pela atuação na comédia nacional, concorreu com as gigantes Angelina Jolie, Nicole Kidman, Kate Winslet e Tilda Swinton, musas do cinema internacional.

Você, caro leitor, certamente deve ter assistido às exibições de filmes brasileiros filmados nos anos 70, 80. O Brasil avançou muito, transformou sua maneira de produzir espetáculos para o cinema. Que bom!

A frase “Estamos chegando, Brasil”, de Selton Mello, anuncia que já encontramos o caminho para o sucesso. Sim, ainda há pedras no caminho, mas um percurso grande se percorreu até chegar nesta produção que lotou os cinemas no Brasil. Sem contar que esta consagração abrirá muitas portas para as nossas atrizes e atores no cenário mundial.

Sempre fui muito fã da Fernanda Torres e é impossível não fazer um paralelo de atuação de uma das maiores atrizes brasileiras, Fernanda Montenegro, sua mãe, que esta semana vibrou muito com a vitória da filha e de todos do elenco do filme Ainda Estou Aqui.

Em entrevista para a GloboNews, a Fernanda mãe discorreu sobre a vida de artista, da caminhada da filha desde criança entre luzes, personagens e histórias. “Nós somos a terceira margem do rio. Existirmos em cena é uma vocação.”

Fala de como a Fernanda filha, desde pequena, cresceu à mesa vendo os pais passarem o texto. Emocionada, fala de que sempre fez muito bem o que se propõe a fazer.

“A vida é sonho. Se temos um talento, meio caminho já está andado. É só cuidar da outra metade. Em cena enfrentamos o melhor e o pior do ser humano. É uma missão de vida tão ampla e tão disponível ao mesmo tempo. Nanda buscou, fez renascer essa mulher tão real, que ela não conheceu. Interpretar é um mistério, é um talento divino? Não sei. O palco continua, a interpretação do ser humano continua. Nanda deu o tamanho, a dimensão do talento dela e estou tão feliz.”

Com sua voz calma, Fernanda Montenegro, para mim a melhor atriz brasileira, falou por longos minutos sobre a filha, sobre interpretar, sobre fazer tudo muito bem-feito. Uma mãe que, embora seja uma atriz gigante, se fez pequena, pediu desculpas por falar tanto e finalizou: “Eu estou muito feliz de ter vivido até agora para ver isso.”

Publicado em 10 de janeiro de 2025 (28.151)

Faltam Gavetas

Por Suzi Aguiar

“Tem dias que faltam gavetas para guardar minha saudade”. É sempre assim quando o ano termina e outro começa. A gente dá uma pausa para refletir sobre o que deu certo, o que deu errado e o que não rolou nos dias que se repetiram, um a um, e marcaram nossa trajetória.

Gosto de dividir as coisas nas gavetas da minha história. Em uma coloco os acertos, que foram muitos, outra para as coisas que não deram certo e que ocupam um lugar de destaque, porque preciso trabalhar firme naqueles propósitos. Gosto de colocar na gaveta de cima as coisas que busco há mais tempo e não tenho obtido os resultados esperados. Serão nelas o foco maior.

Encho gavetas, mas as esvazio antes. Porque a limpeza precisa caminhar em todos os sentidos. Jogar coisas velhas, emboloradas pelo tempo como discussões tolas, palavras malditas, erros de interpretações que costumam grudar nas bordas da vida e enfeiar muito a trajetória. Gosto de colocá-las na última gaveta, especialmente as mágoas que ficaram em mim ou que deixei no outro. Gosto de tirá-las da visão cotidiana na tentativa de buscar um lugar de calma no coração porque, afinal, preciso perdoar e pedir perdão, concomitantemente.

Tenho uma gaveta para guardar as tristezas que volta e meia teimam em aparecer e que tenho tentado deixar quietinhas…

Mas sempre que eu tento guardar nas gavetas as minhas saudades, faltam espaços porque para estas não há lugar suficiente para separá-las. São tantas! Tem a saudade da minha mãe que já se foi e que era minha maior inspiração, a saudade transbordante da filha que partiu tão cedo deixando um vazio imenso, um lugar jamais ocupado. Certamente a maior delas, mas que há muito também ocupa o espaço mais bonito na minha existência.

Há a saudade das crianças que cresceram e que seguem seus caminhos, saudade enorme dos netos que vivem distante, saudade daquelas vozes me chamando docemente de vovó, saudade diária de vê-los mesmo que apenas pelo WhatsApp. Saudade de ter os irmãos e sobrinhos todos reunidos na noite de Natal, embora morando muito distante, de ver o brilhinho nos olhos dos meus ex-alunos na descoberta de como juntar letras.

Às vezes faltam gavetas para separar tantas coisas e aí acabo misturando fatos, esquecendo outros. Fico com o olhar perdido no nada e aí, se a tristeza se sobressair, choro.

Limpe as suas gavetas, limpe as arestas da vida e deixe os momentos bons fluir, mas lembre-se que as saudades ficam bonitas se as memórias te alegrarem.

***A frase “Faltam gavetas para guardar minha saudade” é de Paulo Leminski, um dos poetas mais importantes da literatura brasileira contemporânea.

Publicado em 30 de dezembro de 2024 (27.726)

Confira a Listinha

por Suzi Aguiar

Está aberta a caça às lembrancinhas! Sair às lojas, especialmente de shoppings, passa a ser uma aventura exaustiva! A cada dia que passa mais e mais pessoas se lançam nesta tarefa nada fácil! O que o presenteado vai gostar mais: do vermelho ou azul, de listras ou estampa? Tamanho G vai servir? Difícil ter certeza…, mas levar o GG pode ofender, né? Brinquedo ou roupa? Bijuteria ou perfume? E se der só chocolates, fica chato?

Com uma listinha resumida ou não, cada vez fica mais difícil presentear aqueles que queremos bem. Agradar a família é sempre o maior objetivo: para o pai, para a mãe e filhos a gente capricha. Mas se são os netos o foco, então? Para eles o coração se derrete e o bolso esgaça. Para o marido? Jesus! A gente gasta tanto que não o presentear passa a ser o melhor presente. Concorda?

Bom, alguns mais afortunados incluem na listinha os irmãos, os sobrinhos e os afilhados. Um brinquedinho para um, uma camiseta para o outro, uma meia, um batom, um perfume, um pijaminha, a réplica daquela carteira mais vendidas na Oxford Street de Londres, mas que a gente compra em qualquer lojinha com artigos do Paraguai.

Ih, não podemos esquecer de comprar um agradinho para a manicure, outra para a esteticista, para a professora do Pilates. Ah, para a professora do filho, afinal foi paciente com o pestinha o ano inteiro. Quem melhor que ela merece ser lembrada? Não podemos esquecer o porteiro, a moça da limpeza, do guarda de trânsito em frente à escola e da diarista que nos livra das piores tarefas de casa. Esta sim dá gosto presentear!

Dos muuuitos amigos secretos nem preciso falar, não é mesmo? Para que lembrar que escolhemos a melhor que podemos comprar e ganhamos sempre algo que não gostamos?

Na semana que antecede a noite feliz, a gente começa a entregar o que há muito custo compramos, apertando nosso já apertado salário, querendo demonstrar carinho e gratidão. Mas ao abraçarmos cada um dos nossos escolhidos, com um sorrisinho meio sem graça, vamos dizendo: É só uma lembrancinha, desculpe!

Que tal além das lembrancinhas para a família, optar por dar um bom presente para uma criança ou idoso cuja situação seja desfavorável?

Peça aos céus as melhores bençãos para todos aqueles que, de uma ou outra forma, fizeram no ano que finda teus dias mais fáceis, mais alegres, mais bonitos. Reze também por aqueles que te feriram com palavras duras pedindo perdão a Deus pelas mágoas que brotaram em teu coração.

E aí, conseguiu diminuir a listinha este ano?

Publicado em 13 de dezembro de 2024 (27.591)

É Tempo de Faxinar

por Suzi Aguiar

É… mais um ano está terminando. Você nem viu passar? Nem eu! Parece que pisquei algumas vezes e a vida passou correndo em frente aos meus olhos. Em alguns momentos quis segurá-la entre as mãos, mas ainda assim o tempo escorregou pelos meus dedos, feito sabão.

Me conta aí? Como está a sua casa? Você ainda o hábito de fazer uma faxina geral? Daquelas que víamos nossas avós e mães se esmerarem todo final de ano. Arrumar armários, esvaziar gavetas, limpar as vidraças embasadas, tirar a poeira das paredes e forro? Eu ainda costumo, mas não como antigamente. Agora prefiro manter o melhor possível durante o ano e dar o toque final nesta época.

E como esta sua vida? Confusão total? Caos muitas vezes? Correria sempre? Limpe também as gavetas de sua história. Mais importante que faxinar a casa é limpar as arestas de cada dia. Esta sim, é uma tarefa muito necessária e difícil.

Dizem que a nossa casa é o reflexo de nossa vida. Então peraí. Pense um pouquinho, está tudo uma bagunça? Coisas velhas, coisas pendentes espalhadas por todo lugar? Atropelos de todo tipo?

É hora de dar um tempo. Desacelerar. Parar de correr. Planejar uma faxina na sua vida. Que assuntos ficaram pendentes? Que situações não devem se repetir? Magoou alguém? Foi magoado?

A vida está seguindo sem um rumo certo? Sem objetivos bem delimitados? E o amor, está bem cuidado? Você viveu o ano numa relação difícil?Esta sem planos para o futuro? Não tenha medo de recomeçar. Limpe sua alma. Recomece do zero. Sei, é dificílimo, né? Então comece devagar, elimine os quesitos mais fáceis, mais urgentes. Você pode ajeitar as coisas de forma a simplificar os problemas e o seu cotidiano.

Depois, limpe a alma dos conflitos que viveu. Pedir ou dar o perdão sempre ajudam a nos fazer mais leves. Ok, a pessoa magoada não quis conversar? Deixe para lá, o importante é ser feliz, não apenas ter razão. Se você está tranquila que fez o certo, siga em frente.

Mas ainda há uma coisa importante a fazer antes do ano findar, cuide de sua espiritualidade. Fazer um longo encontro com Deus, ou com os seus deuses, se for o caso, ajuda a nos preparar para mergulhar de cabeça no ano que vai chegar. E se vale uma dica: presenteie de surpresa uma pessoa carente. O olhar de

agradecimento que ela te dará nunca sairá de sua lembrança e te dará a certeza de que apesar de tudo, o ano valeu a pena. Aceita o desafio?

Publicado em 8 de dezembro de 2024 (27.516)

O Pão nosso de cada dia

por Suzi Aguiar
Ele é muito especial e amado por todos, por isso, tem até data comemorativa: 16 de outubro é o dia mundial do pãozinho. Sei que parece que este texto está atrasado, mas, fala sério, o dia mundial do pãozinho deveria ser todo dia! Será que existe alguém no mundo que não gosta dele? Qualquer coisa combina com o bom e milenar pãozinho.

Com queijo e presunto? Hummm! Quentinho e com mel, impossível comer um só! E para acompanhar uma sopinha em dias de frio? Mas há os que prefiram uma torradinha com patê. Não importa, assado, frito, doce, salgado, frio ou quente, seja como for o pão é o alimento mais democrático que existe. De um jeito ou de outro todos podem consumir. Novo, amanhecido ou velho, a gente sempre da um jeitinho de torná-lo apetitoso.

Se por um lado é maravilhoso, por outro ele é vilão, o inimigo mais voraz da balança! Proibidíssimo por nutricionistas, cardiologistas e endocrinologistas, mas é muito amado pela grande maioria. Na verdade, não conheço ninguém que não goste.

Fala sério, tem coisa melhor do que um cafezinho da tarde com um pão quentinho? Especialmente recém-saído do forno, com uma manteiguinha derretendo. Crocante, fazendo aquele barulhinho delicioso?

O meu predileto é o francês, bem torradinho com muita banana amassado só com canela e para acompanhar uma, talvez duas, xicaras de café com leite. O menu dos deuses! Vivo controlando a alimentação e assim o pão é praticamente proibido. De manhã tudo bem, dá para burlar à vontade, mas a tarde já fico meio deprê se sei que não vou poder comê-lo.

E se estou em São Quincas? Como ficar sem pão, rosca, bolinho e todas as gostosuras que envolve farinha de trigo? Da uma tristeza danada!

Duvido que não te dê água na boca só de pensar nestas delícias! Sério? Você é como eu? Ama pão? Então borá fazer exercício. Você não gosta? Nem eu, só faço para poder comer …

Publicado em 18 de novembro de 2024 (27.254)

Um sonho que embalou minha Vida

Por Suzi Aguiar

A vida é incrível. A gente segue os caminhos traçados por Deus, avança cada passo no tempo certo, nenhum dia a mais ou a menos. Esperei 20 anos para viver tudo o que vivi, numa noite muito especial.

Meus sonhos da noite são, na maioria das vezes, muito esquisitos e confusos. Fiquei muito tempo sem lembrar deles quando acordava. Depois passei a tê-los muito nítidos, mas onde diferentes histórias e tempo coabitavam.

Sonho muito com meus filhos crianças. Já trancei os cabelos das meninas muitas vezes, ajudei nas tarefas, a andar de bicicleta e até jogar vídeo game, que nem sei. Sempre acordo feliz por reviver o período em que a gente era completamente feliz. Outras vezes, acordo relembrando tudo o que vivi enquanto dormia, as vezes estou fazendo limpeza em lugares muito úmidos. Ou ainda, lavando roupas muito sujas. Será que é motivado pela minha mania de limpeza e organização?

Houve uma época em que eu nunca lembrava das minhas “aventuras noturnas”. Depois sonhava, mas acordava com uma sensação esquisita e não lembrava o que havia vivido naqueles momentos. Apenas flashes que me inquietavam.

Esta semana tive o melhor e mais esperado deles. Sonhei que abraçava minha filha Talita, que voltou a casa do Pai há 20 anos. Desta vez ela não era uma criança. Tinha 17 anos, os mesmos cabelos compridos e o sorriso tão doce. Quando chegou a abracei muito forte. Uma onda de felicidade me invadiu. Foi a melhor sensação que já senti. Ela estava em meus braços, podia falar comigo. Eu passei todos estes anos imaginando como seria se eu a reencontrasse.

Depois, sentada no colo, abraçada em meu pescoço, conversamos muito. Eu perguntei como ela estava e como era o lugar que vivia. “Estou muito bem, num lugar bonito demais”. Depois de um tempo disse que precisava voltar. Eu a envolvi nos braços mais uma vez, a beijei e a vi dar as costas e caminhar. Mas não fiquei triste. Havia paz, uma sensação de serenidade. Eu finalmente tinha ouvido dela que estava bem, embora eu sempre tivesse esta sensação.

Foi tudo incrível! Acordei ainda de madrugada, com uma sensação muito boa. Tive o cuidado de pensar em cada detalhe para que não os esquecesse se voltasse a dormir.

Passei o dia feliz, relembrando dela, de toda a emoção vivida naquela noite que me fez ser a mãe mais feliz do mundo. Agora fico aqui, torcendo para que viva isso tudo de novo.

Publicado em 11 de novembro de 2024 (26.967)

A vida ensina

por Suzi Aguiar

Neste mês do professor, fiquei feliz ao ouvir um depoimento emocionado de uma professora aposentada.

“Sabe aquela expressão: Fiquei de boca aberta? Pois é, eu fiquei! Foi ontem à noitinha, quando um mecânico de hidráulica, que estava trabalhando em minha casa, me disse: “a senhora foi minha professora.” Eu não o havia reconhecido. E não é que fui mesmo! Conhecia sua história de criança, mas havia perdido o contato como é comum acontecer conosco, professores da educação básica”.

Ela era a prof. de Educação Física, por isso, sempre tinha mais abertura para conversar com os alunos. Com eles é mais fácil expor suas angústias, especialmente por estarem num espaço aberto, menos convencional do que a sala de aula cheia de carteiras e alunos. É diferente, enquanto uns jogam ou fazem as atividades, um ou outro chega mais perto e começa a conversar.

“Mas este aluno, em especial, embora eu tivesse tentado conquistá-lo, nunca consegui. Ele se mostrava distante, arredio e nada interessado em coisas de escola, nem mesmo com as minhas aulas, que eram divertidas. Ele deu muito trabalho na escola. Em um sistema de ensino que aprovava automaticamente, ele foi se arrastando ano a ano. Terminou a oitava série e saiu da escola. Eu continuei ainda por algum tempo, depois me aposentei e nunca mais o vi.”

“Este menino cresceu, abandonou a escola, deu as suas cabeçadas na vida, depois constituiu família e virou pai. Isto é algo muito bom de ver. Reencontrá-lo adulto e muito bem deu um alívio no coração. Por ele ter sido uma criança revoltada, moleque, a gente imagina que não terá um futuro promissor.”

Cada um de nós professores poderia escrever um livro contando casos surpreendentes com “alunos-problema” que tivemos. Nossa carreira é feita de muito estudo na busca de encontrar teorias que sustentem nosso fazer pedagógico, mas também precisamos ter o dom de encontrar a melhor forma de conquistar ou persuadir os alunos a quererem o aprendizado que estamos oferecendo.

Sem dúvida, quando um professor consegue encantar um aluno desmotivado tem o maior prêmio.

Publicado em 29 de outubro de 2024 (26.794)

Eu seria professora de novo, se a vida recomeçasse

por Suzi Aguiar

Não há como não lembrar. Nem há como esquecer as centenas de histórias vividas na pele da professora que fui. Foram 32 anos. Já faz mais de uma década que fechei o ciclo e me aposentei e eu ainda gosto de dizer que sou professora. Isto me dá orgulho, uma espécie de poder, de saber-me capaz de transformar vidas e isto não há salário que pague.

Me vejo professora quando invento para sobrinhos e netos brincadeiras envolvendo letras e números. Quando, empolgada, modifico a entonação de voz para deixar claro que o personagem da história mudou. Me vejo professora sentada no chão ou inventando mil peripécias para que qualquer brincadeira vire uma divertida aprendizagem.

Não! Não sou só uma avó apaixonada por letras e livros! Minha alma é de professora! Ela precisa ver-se ensinando.

Quando estou com crianças me transformo. As brincadeiras que favorecem o ler e o escrever brotam do nada, sem planos, sem intenção. Elas apenas vêm! E fico feliz com a sintonia que surge entre mestre e aprendiz. O sorriso da descoberta e o olhar de quem aprendeu são impagáveis, tal qual a sensação de que, sim, eu ainda sei ensinar.

A paixão pela docência nasceu comigo. Sem nenhum tabu digo que fui uma professora apaixonante e apaixonada por ensinar e aprender. Inventava mil brincadeiras e atividades divertidas. Era incansável especialmente com aqueles que tinham dificuldades. Jamais desisti de um aluno. Amava o ato de conquistar a confiança.

Nos últimos anos me via cansada de dar aulas. Cansada do dia a dia maçante. Cansada de pais irresponsáveis. Estava exausta de mergulhar de cabeça nos problemas que não eram meus, exausta das promessas dos governantes que nunca se cumpriam. Alguns vezes me deixava abater por esta nuvem cinzenta que cobria a beleza do ensinar e aprender.

Eu me aposentei. Fiquei distante das escolas para varrer do coração todos os cansaços que me afligiam.

Tanto tempo longe deste cotidiano e me vejo com saudade dos meus pequenos. Das dezenas de beijinhos melados na chegada. Dos abraços apertados na saída. Saudade da mesa repleta de presentes dados com o mais inocente e profundo amor: uma tampinha de garrafa, uma flor, muitos desenhos que diziam mais que uma folha inteira de palavras, uma bala – isso, aquela que alguém achara necessária para retribuir o sorriso todas as manhãs. Saudade de tantas outras coisas que podiam parecer insignificantes, mas que tinham todo o sentido para dizer implicitamente “eu te amo”.

O mundo mudou. A vibe é outra: livros interativos, diferentes idiomas, e todos os desenhos vistos na palma da mão dos pequenos, novos jeitos de ensinar. Mas a figura do professor e do aluno continuam se conectando apenas com o coração e, quando isso acontece, o amor é a soma total.

É desta paixão que tenho saudade. É este querer bem que me faz falta. Que bom que eu vivi tantas histórias bonitas, tanta entrega recíproca capaz de fazer irrelevantes o cansaço e as decepções.

Que bom que eu posso dizer: Eu seria professora de novo se a vida recomeçasse…

Publicado em 15 de outubro de 2024 (26.525)

O Desafio de Criar Crianças

por Suzi Aguiar

Se existe algo mais doce que o algodão, mais amoroso que o carinho de mãe, mais emocionante que uma canção de ninar é ter nos braços ou segurar pela mão uma criança.

O mundo muda completamente com a sua chegada. Ficamos mais compreensíveis, mais emocionados e muito mais felizes. A gente se perde em meio a fraldas, aos banhos tumultuados. A gente chora junto com seu choro, a gente quer transformar o mundo para protegê-los de tudo, porque criança é tão sublime quanto o amamentar.

Ela cresce um pouquinho e começamos a sofrer só com a eminência de ter que nos separarmos para voltarmos a trabalhar. Dentro da gente uma pontada espeta nossa alma e assim, do nada, aprendemos o quão grande é o nosso amor. Um serzinho que nem balbucia já é capaz de tomar conta de todo nosso ser.

Passado este frio na barriga, rapidinho chega a época de colocá-la na escola. Um buraco se abre aos nossos pés. Queremos voltar atrás, queremos abandonar o trabalho e toda a vida que ainda teima em se desgarrar de nossa cria. Ela segue crescendo e se embrenhando sorrateiramente no mundo, quer queiramos ou não. Mas como recompensa nos veem como seus super-heróis e se apegam com a gente. Viramos quase um só ser e o nosso mundo fica completo.

Ele cresce a galope na garupa do tempo e chega a pré-adolescência querendo saborear o mundo. A gente cabe frear impulsos, materializar as reflexões. A vida escorre de nossos dedos, e aí? Passamos a ser chatos, todas as nossas teorias caem por terra. São os amigos que ditam as leis. A inconsistência entre a infância, a pré e a adolescência alternam humores, vontades, crenças e nós precisamos encontrar o equilíbrio entre o ontem e o agora, entre o claro e o escuro, entre o caos e a calma. Até que um dia nosso bebê se casa, forma sua família e o passado e o futuro se reconectam e voltamos a ter um lugar especial na sua vida.

Buscar a criança que ainda vive em cada um deles, fazer florescer aquele mesmo respeito, a doçura e o amor sem medidas é a mais desafiadora missão. A gente erra, e muito! Por isso, tratar a criança com amor e respeito, fomentar este sentimento dentro de casa, envolvê-la num novelo de lã colorido de bons exemplos, pode fazer a diferença na vida dos nossos pequenos.

Está em dúvida sobre o que fazer? Qual a melhor hipótese? Que conselho deve dar? Se inspire em famílias bem estruturadas, peça conselhos, pesquise, leia artigos que falam de temas que estão te afligindo. Seja um leme na vida de seus filhos e certamente povoarão o mundo com pessoas felizes.

Publicado em 9 de outubro de 2024 (26.374)

Eleições: você já sabe o que esperar?

por Suzi Aguiar

Estamos vivendo mais um pleito das eleições municipais, que, para alguns, deixaram de ser uma discussão comum para se transformar na polarização nacional. Os embates acontecem na pracinha, nos corredores do mercado, no bar da esquina. Se repetem no recreio da escola, na fila de espera no Posto de Saúde, no intervalo do trabalho. Se dividem entre aqueles que colocam a política nacional em foco, os que preferem não falar em política e aqueles que, como eu, querem mesmo é saber se o novo prefeito vai fazer uma boa gestão na Educação e Turismo.

Desde antigamente, votar para prefeito ou vereador é uma questão pessoal. Conhecemos o candidato: ou é o vizinho, o irmão do cunhado, o filho do nosso amigo, o carinha que distribui cestas básicas aos mais necessitados, o cara que joga futebol na quadra da esquina. Enfim, sempre conhecemos quase todos. Aqui vale uma pausa: olha o meu machismo estrutural! Não citei nenhuma suposta candidata mulher…

A conversa agora gira em torno de quem “está do lado certo ou errado” ou “Você vai votar no candidato X? Cuidado, ele é aliado de fulano!”, dizem alguns. Como se o destino do país dependesse do resultado da eleição para prefeito. A ironia é que, não importa quem vença, ele vai ter mesmo que resolver os problemas do município.

Eu, especialmente, analiso se o candidato é dinâmico. Se vai ter peito para sair em busca de verbas ou ficar sentado atrás de uma mesa reclamando que a prefeitura está falida. Se vai fazer contato com pessoas influentes que possam trazer investimentos para o município ou vai ficar no gabinete tomando cafezinho. Quero conhecer as propostas para o turismo. Se vai investir, mesmo que fazendo eventos pequenos, que tragam de volta para a cidade os repórteres que só visitam a vizinhança.

Mais necessário para mim é que mantenha a cidade limpa e as praças floridas. Aí, verba quase zero, só capricho é necessário! Para isso, é preciso descer do pedestal, andar a pé pelas ruas, nos bairros, olhar pessoalmente o andamento de obras. “É o olho do dono, que engorda a boiada”.

A minha maior luta, que já está entrando para o quinto mandato, é que mantenha o cemitério limpo. Neste último mandato, a batalha foi quase vã. Precisamos também da contratação de dois zeladores fixos. Só assim daremos um pouco de dignidade para os nossos mortos, que, para mim, são tesouros que todas as famílias guardam.

E você, caro leitor, já sabe o que esperar de seu candidato?

Publicado em 19 de setembro de 2024 (26.153)

Independência ou…

por Suzi Aguiar

Ah, o Brasil! Terra de mil e uma belezas e espertezas, terra do jeitinho. Isso mesmo, lugar de gente que burla tudo. Nestes quase 200 anos de independência, vivemos no “vamos ver no que vai dar…”.

Que tal um tour por esta bagunça organizada? Pensa aí: quem estava na festa da independência, lá em 1822, com o nosso imperador? Os barões de muitos títulos e de boas maneiras de roubar o povo. E, tcham, tcham, tcham, surpresa! As coisas não mudaram muito por aqui: a desigualdade social impera. Enquanto os ricos fazem compras de jatinho, a maioria da população não tem dinheiro para pagar o aluguel ou comprar comida. Saúde e educação de qualidade? Até dá medo de comentar.

A educação é um caso à parte, sem chances de mudar. O ensino público é péssimo, e o conhecimento entregue é mínimo. Os alunos aprendem mais a sobreviver na vida do que sobre português, ciências e matemática. Chegar à faculdade é só para bem poucos.

A saúde, então! Socorro! O SUS é um dos maiores sistemas do mundo, só que não dá conta, e aí sobreviver a doenças mais graves só por sorte ou milagre. Quem entra na fila nem sempre tem tempo de sair.

O reality show nunca termina. Todo dia tem um escândalo novo e um golpe velho. Os políticos que desviam verbas estão sempre em alta. Prisão? Prisão? Ah, eles prendem, eles soltam, e se não der para soltar, mudam as leis. Ah, mas mudam de lado também, fácil, fácil.

Nas cidades grandes, conviver com a violência se tornou corriqueiro. Cenas de filmes de ação nas ruas são comuns. O crime organizado faz reféns por toda parte. A polícia, quando não se corrompe, na maioria das vezes é incompetente, e nós, pobres mortais, sempre buscando vencer o próximo round, mas sem muitas esperanças de conseguir.

O desemprego está nas alturas, os direitos trabalhistas minguando, os salários de fome para muitos, e a informalidade, cada vez mais, afeta os brasileiros.

A Amazônia, conhecida no mundo inteiro, agora está em foco pelo desmatamento, que vem para dar lugar às pastagens. E o agronegócio vai muito bem, obrigada! E, claro, não podemos esquecer das queimadas e da crescente crise climática, porque, afinal, até o clima está irritado com a nossa gestão ambiental.

É isso aí, caro leitor, nosso país é cheio de riquezas naturais, culturais e com um povo que sempre dá um jeitinho de superar as adversidades. A independência política a gente venceu, mas será que precisaremos do próximo bicentenário para conseguirmos a independência de tantos problemas?

Publicado em 6 de agosto de 2024 (26.078)

Mais do que paratletas

por Suzi Aguiar

“Deficiência não define uma pessoa, e a presença da Bruna Alexandre no time olímpico é mais um contributo na nossa missão diária de reforçar o potencial da pessoa com deficiência. Temos certeza de que ela vai inspirar ainda mais pessoas com deficiência a conquistar autonomia e, também a ser incluída na sociedade por intermédio do esporte” (Mizael Conrado, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro). Bruna e todos os outros não deficientes cumpriram seu papel com grandeza na Olimpíada de Paris.

Nela assistimos inúmeros atletas se superarem e baterem novos recordes, histórias que mostraram que a força de vontade ao alcançar objetivos é fator determinante para competidores do mundo todo. Bruna, que foi atleta Olímpica, nas Paralimpíadas também representará o Brasil, que começaram neste 28 de agosto. Todos eles têm limitações sensoriais ou motoras e uma história de vida emocionante, já são heróis apenas por terem a coragem de sair da zona de conforto e enfrentar seus medos.

Se nos emocionamos perante os feitos de atletas de alta performance, mais seremos sensibilizados agora, pelo desfile de superação. Eles tinham muitos motivos para viverem deprimidos, dignos de pena. Mas, muito ao contrário, não se apiedaram de si mesmos e traçaram novos objetivos para as suas caminhadas. Trazem encrustada em seus corações toda a força e a dignidade em superar perdas em si mesmos. Trazem deficiências do nascer, ou as adquiriram ao longo da vida.

Quantas vezes já fomos muito mais fracos que qualquer um deles? Quantos entraves nos deparamos ao longo da vida que nos fizeram desistir de sonhos? Quantos objetivos abandonamos no meio da caminhada?

Se você nunca assistiu a competições assim, aproveite para conhecer boas lições de força, coragem, superação, resiliência e quais outros adjetivos que possa imaginar. Terá oportunidade de ver um jogo de futebol entre atletas cegos, cuja bola com guizos é percebida pelo silêncio total do ambiente e os ouvidos apurados dos atletas.

Você Conhece Daniel Dias, nosso nadador e o maior medalhista paralímpico? E Gabriel Araújo? Impossível não se emocionar e não nos sentirmos tão pequenos diante de sua grandeza. Portador de Focomelia, que é a má formação de braços e pernas, encontrou na natação a maneira de transformar sua vida. Está modalidade já nos rendeu 125 pódios. Te convido a juntar-se ao mundo e ver imagens impressionantes.

Beth Gomes, do atletismo, juntamente com Gabrielzinho serão os porta-bandeiras do Brasil. Este momento e todos os outros das competições nos renderão reflexão em torno de como nós, pessoas ditas normais, enfrentamos os nossos próprios traumas, problemas e limitações.

Mais do que um paratleta todos eles são atletas pois enfrentam competidores em igual condição. Que honra termos representantes como todos eles elevando o nome do Brasil.

Publicado em 28 de agosto de 2024 (25.836)

Alegria e dor coabitam

Por Suzi Aguiar

Que dor é esta que aperta o meu peito? Quanto sofrimento a cada ponto perdido? Quanta alegria com o placar avançando favoravelmente! Como estes sentimentos tão fortes e tão antagônicos coabitam?

Todo desafio tem dois caminhos a seguir: vitória ou derrota. Cada sentimento envolvido pode marcar diferentes intensidades. O choro da vitória vem envolto em tudo o que renunciaram se preparando para este combate. Amores, amigos, festas, restrições alimentares, outros interesses. O choro da derrota, com a mesma intensidade, conta do desânimo de, apesar de todo o esforço, ser vencido.

O que faz o planeta todo se sentar em frente à TV e torcer pelos atletas dos seus países? Por que nos envolvemos tanto? Amor à pátria? Ao esporte? Ou a tudo isso junto.

No pódio sobem apenas atletas de três nacionalidades. Que montão de gente viu o sonho de uma medalha cair por terra? Muitos sem nenhuma possibilidade de voltar a competir, voltar a sonhar… Este choro pode ser esquecido? Ao desabar que sequelas ficam para os atletas?

A alegria do ouro se intensifica com o hino da nação entoado, enquanto a bandeira chega no cume do mastro e um povo inteiro se orgulha dos feitos de seus atletas. Nas costas eles ostentas com orgulham da sua bandeira nacional, aliás este é um hábito bem brasileiro, iniciado pelo nosso ídolo Ayrton Senna.

No outro lado da medalha, estão atletas do mundo inteiro cujo peito dói pela saudade do que nos tiveram, saudade da medalha que não foi pendurada em seus pescoços.

Há diferença entre a dor do atletas e a dor dos que frustrados assistiram a tudo pela televisão?

Quanto tempo dura a dor do atleta que não subiu ao pódio? Quanto tempo dura a alegria de subir ao pódio? E o que fica mais tempo impresso na memória do povo? Na preparação a dor física é superada com o desejo da vitória, a cada queda, cada luxação, cada contusão os esportistas enfrentam muitos demônios e os vencem com o sonho da glória.

Aqui do sofá, meu coração dispara, fico muito tensa a cada toque de bola, a cada gol, a cada ponto. Fico muito ansiosa e sofro demais. Chego a pensar que não vale a pena tanto sofrimento, às vezes culminado por pulos de alegria, às vezes com uma espada fincada no peito.

Mas claro, meu caso é raro, não? Nunca fui muito ligada aos esportes. Torço porque é o Brasil que está em pauta. Aqui ao meu lado vejo o outro lado da moeda, ou seria da medalha? A torcida é realista, enxerga os erros e acertos e me deixa ainda mais nervosa.

As Olimpíadas terminam e o mundo todo já sente saudade. Aos vencedores é hora de curtir o saldo positivo, aos que perderam tirar boas lições e seguir a caminhada. Logo, logo, todos os meus questionamentos ficam para trás.

Que venham as Paralimpíadas! Bora torcer pelos nossos paratletas. Estes são heróis apenas por estarem participando. E dá-lhe lições de vida! Não dá para perde

Publicado em 12 de agosto de 2024 (25.415)

Imagens Impactantes

Por Suzi Aguiar

Assistir aos Jogos Olímpicos e torcer pelos atletas brasileiros faz milhões de pessoas acompanharem cada detalhe pela televisão, já que ir a Paris é coisa pra poucos. Os atletas se preparam por 4 anos, tanto física quanto emocionalmente. A partir do que vivem lá, na derrota ou na vitória, surgem imagens marcantes que vão ficar registradas na história do esporte mundial. Tudo termina num segundo, o choro permeia cada final de partida ou de batalha.

Seus corpos evidenciam as dezenas de milhares de vezes que aqueles movimentos foram repetidos, as lágrimas podem materializar todo o esforço e a dedicação, mas também a decepção consigo mesmo.

A atleta japonesa Uta Abe chora compulsivamente após ser desclassificada no judô.

O choro de Rafaela Silva, derrotada no judô por uma falha técnica fez brotar um gosto amargo. Ela tinha reais chances de trazer uma medalha. O sentimento de tristeza, de indignação por ter errado num pequeno detalhe que a levou a desperdiçar num segundo, tudo o que conquistou pela vida afora.

A atleta japonesa Uta Abe chora compulsivamente após ser desclassificada no judô. O público de pé a aplaude mostrando o reconhecimento de todo o seu esforço. A cena que nos entristeceu aponta para o quanto a preparação emocional é importante.

Já na Esgrima, nossa atleta Nathalie Moellhausen, precisou interromper a disputa depois de se sentir mal, como consequência de uma doença descoberta um mês antes de viajar para Paris. Nem as dores e o mal-estar a fizeram desistir, voltando a competição até o final. A dor pela vitória que não conquistou foi ínfima da real dor que a forçou descansar.

A medalha de bronze na ginástica feminina por equipe, algo impensado há décadas atrás, causou um mix de sentimentos nas atletas. A ansiedade nos minutos em que aguardavam o resultado foi marcante. Nas modalidades individuais a medalha de prata de Rebeca teve sabor de Ouro. Também tivemos uma imagem impactante do fotógrafo do surf que captou um momento inigualável do nosso Medina no ar.

No caldeirão, os sentimentos se fundem: ansiedade, medo, frustração, alegria, euforia, determinação e tantos outros, grifam momentos espetaculares e aqueles que causaram frustração. Eles se preparam para vencer, tentam se ater as reais possibilidades. Todo o esforço vem como um filme em fração de segundos. Os treinos extenuantes, tudo aquilo que deixaram de fazer em favor da preparação vem na memória. Mas diante de cada objetivo vencido ou não, atletas do mundo inteiro choram. Em cada lágrima, alegria ou decepção.

Não subir ao pódio faz nascer no peito uma saudade de tudo aquilo que não tiveram. Eles queriam dar alegria ao seu país, mas para a maioria os sonhos jazem no coração ferido. Mais importante que uma medalha é que cada atleta vai sempre existir nas histórias que contaram.

Publicado em 04 de agosto de 2024 (25.256)

Também quero me divertir

Por Suzi Aguiar

Chegou a hora. Em cima da cama as roupas em pilhas muito bem-feitas foram conferidas uma a uma por incontáveis vezes. Na necessaire todos os objetos de uso pessoal e a pequenina imagem. Um beijinho e começa a segunda parte, arrumar a mala que está repleta das cores verde e amarela. Paleta que veste com orgulho. Checklist mais uma vez.

Coloca tudo na mala, a medalhinha também. Não pede a Ele para ser classificada, mas para que dê o melhor de si. Sabe o quanto quer estar no pódio, o quanto está preparada, mas vencer é só uma das etapas, talvez a menos importante.

Sua brincadeira de criança virou objetivo de vida. Já participou de muitas competições, mas esta é especial, o sonho de todo atleta. O friozinho na barriga sempre está presente.

Seu coração está acelerado. Medo? Felicidade? Euforia? Todos estes sentimentos juntos a envolvem por inteiro. Ufa, enfim embarcou.

Vive agora os últimos treinos, faz as mesmas manobras repetidas de novo, de novo e de novo por centenas de vezes, ou seriam milhares? Sei que para ela estar na pista é a melhor sensação: cabelos voando e a brisa batendo no rosto, sobre quatro rodas ela é forte.

A viagem longa. Olhos fechados querendo dormir pra acalmar a ansiedade. Sobrevoa Paris e lá está ela, imponente, linda, gigante, a anfitriã da festa. Em meio a risadas, a porta do avião abre e começa a lenta saída pelos corredores para pegar a bagagem e, de ônibus, ir para a Vila Olímpica.

Enquanto percorre, de ônibus, o caminho para a Vila se encanta com a cidade. Pela janela vai se deliciando com a paisagem. A Torre Eiffel é vista de longe, de diferentes ângulos, ela é linda. Bora lá conhecer os principais pontos turísticos. Claro, a foto na Torre Eiffel não pode faltar, mas foco é necessário, os treinos serão intensos.

Nossa Fadinha está em Paris, pronta para representar o Brasil, mais além de vencer, também quero me divertir. Singela, leal, como o próprio nome diz.

Publicado em 25 de julho de 2024 (25.164)

A Ampulheta da Vida

Por Suzi Aguiar

Lá fora a chuva cai tão fina quanto véu. A bruma do entardecer desce silenciosamente contrastando com o ringindo dos freios nas faixas de pedestre. Na calçada, como guardiões do vento e do frio, sob seus guarda-chuvas enxarcados, homens e mulheres andam apressados. As luzes dos postes acendem de repente, anunciando que a noite desce devagarinho. E nesta aura meus pensamentos mais enigmáticos se dissolvem pausadamente dando lugar para outros. O que se passa nas suas mentes, ninguém saberá.

A primeira vez que o vi, quase um menino, nossos olhos se encontraram e ali a colcha da vida começou a ser tecida. Bordados multicoloridos iam surgindo à medida que o tempo seguia. Uma paixão pura nascia ali e eu senti que seria para sempre.

Como pressa a ampulheta do existir seguia seu curso. Já não éramos mais adolescentes quando, numa noite fria de agosto, você pronunciou as palavras mais bonitas. Com um sorrisinho tímido, tirou a caixa de joias do bolso ouvi o “quer casar comigo?”

A gente havia crescido e tínhamos urgência em construir o futuro. O tempo, inexorável, tecia um a um os retalhos da vida, que misturavam em muitas cores de acordo com cada estação que se revessavam na tarefa de mover a ampulheta sempre, de novo e de novo…

Os mais variados momentos contam nossa história. Os filhos nascendo, o corre-corre de cada dia de trabalho, de lazer da família que construímos, mas que quase foi engolida pelos percalços do caminho. Mais tarde uma tragedia levou embora nossa alegria de viver, lagrimas varreram quase tudo de dento de nós. Mas neste momento o olhar amoroso de Deus nos deu força para continuarmos.

A aposentadoria veio trazendo novos projetos e o sonho de netos se realizando. Agora as mais lindas palavras costuram nosso amor aos pequenos que docemente nos chamam de vovô e vovó.

A pele marcada pelas linhas do tempo, os cabelos agora brancos, dizem que a ampulheta agora segue mais lenta, tal qual nossos passos na calçada, porque ainda há muito a viver. Sua mão sobre a minha enquanto o carro corta as estradas, ou enquanto assistimos um programa, contam sobre este amor que já nos une a meio século. O tempo preenchido por risadas das coisas mais bobas contam sobre este amor que poderá ser eterno.

A noite chega trazendo uma neblina mais densa. A gente se aconchega porque o futuro é um lugar que não conhecemos.

Publicado em 22 de julho de 2024 (25.091)

“Nada temos a temer, exceto as palavras”

(Rubem Fonseca)
Por Suzi Aguiar

Realmente, Rubem Fonseca nos fala a alma. As palavras podem ser mágicas ou apocalípticas. Podem gerar tempestade ou bonança, podem exalar perfume ou fel, tudo depende de seus interlocutores. Com elas somos capazes de fazer belas declarações de amor e afeto, somos capazes de reconhecer o talento, a vocação para tantas situações. Mas com elas somos capazes de ofender e magoar muito.

Cotidianamente muitas escolhas se abrem à nossa frente como um leque de cartas de baralho. Com elas expostas, fazer o jogo é só questão de tempo. O que difere é a prospecção do jogo. As consequências podem ser armadilhas ou surpresas agradáveis.

É impressionante o poder que as palavras têm na vida e nas relações entre pessoas. Você já pensou nisso? Quando estamos chateados, as positivas são muito fortes, capazes de agir rápido no nosso subconsciente. Basta uma palavra de afeto para o humor melhorar e, felizmente, encontramos um número significativo de pessoas que optam por te ajudar.

Por outro lado, uma palavra ríspida tem um poder avassalador. Por menor que seja é capaz de agir forte, nos deixando apáticos ou furiosos, este último é muito mais frequente do que se imagina. Pense aí, caro leitor, tenho ou não razão? As mais perigosas são aquelas não ditas, apenas deixadas nas entrelinhas. Às vezes nos passam despercebidas, em outras, acende uma luzinha e nosso cérebro fica em alerta.

Mas minha proposta aqui é falar sobre o perigo das palavras distorcidas, ou que dão veracidade a suposições. É o famoso “colocar palavras na minha boca”. Eu mesma já tive esta desagradável surpresa algumas vezes. Quem nunca?

O que fazer nestas situações? Parece que por mais que você tente explicar, mas complicado fica. E aí precisamos nos questionarmos. Fomos nós que não usamos bem as palavras ou foi nosso interlocutor que optou em escolher a conotação errada? Quando isso acontece comigo fico muito mal. As coisas não saem do meu pensamento e fico me questionando se eu poderia ter falado diferente.

Já passei por várias situações assim ao longo da vida, a ponto de eu ser hoje muito reticente em relação a determinadas pessoas. Prefiro não emitir nenhuma opinião sobre fatos que as envolvem, ou que são ditas por elas. Conheço muitas famílias ou amigos que têm laços cortados entre si por mal-entendidos, por coisas ditas em momentos de raiva, com cabeça quente. Acho triste, mas, ainda assim, muito necessário se afastar do que te faz mal.

E aí, caro leitor, como não temer as palavras?

Publicado em 4 de julho de 2024 (24.858)

Que herança é esta?

Por Suzi Aguiar

O clima do mundo está mudado. As catástrofes permeiam todos os continentes em maior ou menor grau e a gente só culpa o governo, o vizinho, o outro. “Eu não faço nada de errado”. “Eu cuido do planeta”. “Os governantes são os responsáveis, cabe a eles investir, cabe a eles legislar”.

O certo é que existem centenas de pequenas atitudes que juntas fazem o planeta agonizar, mas por outro lado, há este mesmo percentual de coisas que podemos fazer para termos o clima do mundo mais harmonioso. Não jogar lixos no chão, nas estradas, terrenos baldios, reciclar, desligar aparelhos das tomadas quando não estão sendo usados, não instalar geladeira perto do fogão e mantê-la longe dos raios solares e, ainda, mantê-la com a porta bem vedada, preservar a vegetação nativa, abrir janelas e cortinas e só usar energia elétrica quando muito necessário, substituir carros a gasolina , diesel ou álcool. Enfim, cansaríamos se fôssemos elencar tantas atitudes simples que deixamos de fazer e que contribuem para causar a fúria do planeta. Atitudes bobas, corriqueiras, que parecem ser inofensivas, estão aquecendo o planeta devido ao aumento de gases na atmosfera.

As secas estão permeando o Brasil em diferentes regiões. A principal bacia do bioma, o rio Paraguai, já aponta seca recorde, com mais de 2 metros abaixo da média e vem muito mais, de acordo com as previsões climáticas. O Brasil é o quinto maior emissor de Gases Efeito Estufa no mundo. Entre as razões estão o desmatamento, a agropecuária e o uso de energia a partir de combustíveis fósseis.

Vamos dar um basta! Isso diz respeito também sobre você que está lendo esta crônica. Paremos de achar que somos inofensivos.

No Sul, das chuvas brotaram devastadoras enchentes que arrasaram milhares de vidas. Muitos perderam tudo. E, desta vez, o tempo para a reconstrução está fazendo centenas de vidas esmorecerem. Agora, com as águas voltando ao seu curso, o que restou foi só devastação, lixo, restos do suor pelo ganha pão espalhados nas calçadas; histórias, agora com finais dolorosos. Não menos triste os milhares de animais resgatados e tantos que não tem mais um tutor.

No Mato Grosso e Mato Grosso do Sul os focos de incêndio já ultrapassaram a marca de 1000% com relação ao mesmo período do ano passado. No quintal do Brasil as chamas avançam. Enquanto um jacaré jaz, onças indefesas sobem ao topo das árvores à espera do resgate que não virá, não sem antes estarem feridas profundamente. Tuiuius, cobras, tartarugas milhares de outros animais veem seu alimento arder incandescente.

E eu pergunto: que planeta estamos deixando de herança para as futuras gerações?

Pense nisso.

Publicado em 18 de junho de 2024 (24.625)

A alma só envelhece se você permitir

por Suzi Aguiar

O relógio da vida não para e se o conectarmos ao calendário, nossa existência pode tornar-se um inferno.  Viver apenas de lembranças é nos contentarmos com migalhas. A própria vida espera muito mais de nós. Nos acovardarmos é aceitarmos a mediocridade.

O corpo envelhece sem que você precise permitir, mas a alma, a esta você tem que dar permissão. Os sentimentos vividos têm real valor nesta caminhada. Por isso, estar atenta ao que deixa entrar e sair de seu caminho é imprescindível.

A vida nos oferece mil oportunidades de experiências boas, ruins e não tão ruins assim. O que você faz com estas experiências é que vai dar o tom nas marcas com as quais ela te presenteará.

Precisamos ser inquietos com o existir, buscar novas perspectivas, acordar para o novo, navegar por mares incertos, correr na frente do tempo sorvendo cada partícula de tudo o que ele pode nos proporcionar e, juntamente, exorcizar de nossa história tudo o que nos faz mal.

O que foi ruim precisamos deixar lá atrás. Sei o quanto é difícil, mas necessário. Especialmente os relacionamentos podem nos trazer à tona coisas que queremos esquecer. Mas esquecer não significa apagar, tirar para sempre, pois a vida não nos oferece uma borracha capaz disso. Esquecer aqui significa ressignificar. Não dar total importância, não ficar remoendo dia após dia, ano após ano. Isso só faz a ferida, grande ou pequena, doer mais ainda.

O passado pode ser lindo ou traiçoeiro, uma armadilha para uma vida límpida, clara. Pode vendar seus olhos justamente para os bons momentos do presente. Você precisa se decidir pela leveza da vida.

Te pergunto: já experimentou perdoar de verdade? Já experimentou seguir em frente sem dizer nenhuma palavra e, especialmente, sem dizer a última palavra? É libertador! Escutar, virar para frente e caminhar, sem fazer questão de  justificar sua atitude.

Ah, mas guardo mágoas de um casamento desfeito, uma traição no amor, uma amiga que me magoou, de um chefe que me demitiu injustamente… Te pergunto: isso tudo vai te levar a um lugar bom? Não. Só vai fazer com que as cicatrizes fiquem mais profundas e visíveis.

Precisamos lembrar das coisas boas. De todas as horas alegres, do imenso amor que os uniu um dia, dos filhos que programaram ter… Como assim não deu certo? Deu certo enquanto tinha que dar. Deu certo enquanto os dois se dedicaram um ao outro, deu certo até que um seguiu por uma encruzilhada da vida, provavelmente sem planejar ferir o outro. Apenas deixou-se ir.

Você já se perguntou onde errou para o outro perder interesse em você? Para seu chefe ver melhor expectativa no seu colega? Qual a sua parcela de culpa? Ninguém é bom ou mau de todo. Pense: fizemos sempre o mesmo bolo, mas de repente, erramos a receita, deixamos de prestar a atenção nos detalhes dela e o resultado é ruim. Precisamos olhar a receita de nossa convivência. Ela nos dirá qual o ingrediente está sendo usado na dose errada, na forma imprópria. Os bons resultados serão consequência. Pense nisso!

Publicado em 14 de junho de 2024 (24.539)

Quem sou eu?

por Suzi Aguiar

Sou quem está vivo, quem já morreu, sou de onde vim, sou pra onde vou, sou o que aprendi, o que prefiro esquecer, sou o que me faz bem e o que me faz mal, sou o que me ensinaram, o que me traz boas lembranças, sou o meu tudo e o meu nada, sou todas as verdades e as mentiras, sou o que disse e o que silenciei, sou tudo aquilo que vivi e o que está por vir… sou todas as minhas experiências juntas e aquelas que deixei de viver. Às vezes sou translúcida como a água, noutras, opaca, sem cor ou brilho, sou tudo isso. E algumas vezes, sou quem nem eu mesma conheço.

Não há como apagar aquilo que se viveu. Como marca a ferro, tudo fica impresso no nosso consciente, ou pelo menos no subconsciente.

A nossa vida real pode ser comparada a uma peça teatral no qual interpretamos diferentes papéis ao mesmo tempo. É difícil manter a mesma linha de percepção em diferentes situações. Mas é a nossa essência como ser humano que vai conduzir a apresentação. A diferença é que para o ator desempenhar um papel pode não estar em consonância com a sua vida pessoal e, assim, ele consegue separar cada situação. No final da peça, ele se despe do personagem e volta para casa.

Para a gente, isso é impossível. Levamos tatuados no corpo cada ação que tivemos, os assuntos que precisamos nos envolver, cada dor, cada alegria, cada erro e acerto, cada sentimento que vivenciamos no cotidiano. E todas as vivências vão ao longo do tempo ficando impressas na nossa personalidade. Não há como elas não deixarem marcas na vida da gente.

Nem sempre temos opção, nem sempre elas estão claras. Nem ao menos podemos escolher quais marcas queremos absorver, que experiências nos fazem mais sentido. Todas são assimiladas. Não há como não aprender com elas, daí a importância de mantermos clareza de nossas escolhas, dos objetivos que planejamos perseguir ao longo da vida.

São as vivências antagônicas que vão sendo ponderadas por nosso interior e tirando as lições que vão formar um eu mais amadurecido, embora a vida não nos garanta absorver apenas as coisas positivas. Bem ao contrário, a maioria de nós carrega consigo fardos pesados de histórias tristes que deixaram marcas difíceis de olhar, mas que ficam impressas, às vezes num lugarzinho escondido no coração, que num determinado momento vem à tona sem nenhum esforço.

Nada é capaz de retratar limpidamente o que não somos, mesmo que muitas vezes optemos por camuflar ou improvisar sentimentos ou ações, para parecermos melhores do que realmente somos. O nosso subconsciente às vezes nos trai e deixamos transparecer, mesmo não intencionalmente, aquilo que tentamos esconder e as máscaras podem cair e desnudarmos nossa essência. O grande desafio da vida está em conseguirmos dosar as marcas que vamos carregar pela vida afora, mostrar

as que nos favorecem e ocultar aqueles que nos fazem menos humanos, no bom sentido da palavra.

Posso dizer que sou mil em uma e também, que sou uma em mil. É certo que tenho tentado buscar construir o melhor em mim, mas, não, não sei se consegui.

Publicado em 03 de junho de 2024 (24.187)

Quero esquecer pelo menos até amanhã

por Suzi Aguiar

O telhado fora nosso abrigo por muitas horas. Não havia mais água ou alimentos. Me arrependo: por que demorei tanto pra finalmente deixar a casa cheia de água? Os socorristas em barco inflável nos resgataram. Pelo caminho, cenas arrepiantes não desatavam o nó da minha garganta. Havia o uivo de cães deixados para trás. Nunca vou esquecer este som entrando fundo na minha alma. As crianças impressionadas se agarravam a mim.

O barco nos levava para um lugar seguro. Passamos rente a uma placa de posto de gasolina. Os fios de energia, no alto dos postes, podiam ser tocados se quiséssemos. Bastava estender a mão. Uma cena impensada surgiu aos nossos olhos incrédulos: um cavalo sendo resgatado de um telhado de uma casa. Ao seu redor, água por todos os lados. Como conseguiu ficar tanto tempo ali? Indaguei. Impossível dizer. Precisaram planejar muito para tirá-lo, ouvi. Fomos todos olhando para trás até a imagem sumir.

Chegamos no abrigo. Lá fora a chuva cai como lágrimas de milhares de desabrigados vivendo agora da compaixão alheia. Um amontoado de quase nada foi o que restou. Chegamos sem bagagem, abraçando forte contra o peito apenas dois cobertores, um travesseiro e a lembrança minguada de tudo que tivemos. Meus filhos assustados se agarram agora ao único brinquedo que conseguiram trazer. Foi tudo o que salvamos.

Aqui no abrigo, como a gente, centenas de pessoas contam a mesma história para quem perguntar, repetem e repetem como se precisassem se convencer de que não, não foi um sonho ruim.

Está na hora da refeição. Ela foi providenciada por voluntários. A maioria de pessoas solidárias, que não medem esforços para dar um pouco de si para quem já não tem mais nada. Choro. É um choro de dor, de tristeza, mas muito mais de agradecimento. Eu estou viva, meus filhos também. Mas perdemos a casa e tudo o que havia dentro dela. As lembranças de uma vida guardada em fotos, também se foram. Só o tempo dirá o que realmente ficará na memória. Choro enquanto nos alimentamos porque penso na água varrendo tudo à nossa volta, entrando impiedosa por debaixo das portas e engolindo o que construímos a vida toda.

Na nossa rua só há destruição. Casas desmoronaram, carros foram arrastados pela correnteza. E o telhado foi o único abrigo seguro enquanto o socorro não chegava.

Desesperança e medo. Como recomeçar? Por onde recomeçar? A ajuda vem de todas as partes, mas ela chegará até nós? Quantos desvios pelo caminho ocorrerão? Sei que haverá espertos de plantão para se aproveitar da situação.

Agora é hora de dormir. A fila do banho é enorme. As roupas, toalhas, objetos de higiene foram doados. Nossa casa agora é um cantinho com algumas roupas de cama e objetos de primeira necessidade. Deitadas, as crianças agarradas nos ursinhos, em posição fetal, buscam aconchego. Enquanto eu aqui penso na casa que não existe mais, nas lembranças boas de tudo que construímos e vivemos. As lágrimas descem silenciosas enquanto o barulho de relâmpagos e trovões indicam que as águas ainda demorarão a baixar.

Fecho os olhos buscando o sono. Quero esquecer tudo, pelo menos até amanhã de manhã.

Publicado em 14 de maio de 2024 (23.921)

Ela te deu a vida, sobretudo

por Suzi Aguiar

Comemorar o Dia das Mães é sublime. A gente sabe que elas sempre fazem por nós muito mais do que imaginamos. O seu amor se compara a força de uma leoa para defender suas crias. As pessoas entendem e acham que os filhos as amam de igual forma. Mas não, as mães sabem que o amor não é igual. Não esqueçam, antes mesmo de sermos mães, já éramos filhas…

Sentirmo-nos amadas é uma dádiva e, parece, corriqueiro, normal, recíproco.

Mas não se engane, nem tudo é perfeito. Milhares de mães não são anjos personificados, milhares delas abandonam filhos, sofrem dependência química, têm uma vida desregrada. E assim, milhares de filhos já nascem em lares desajustados e, por isso, tem uma vida ainda mais difícil.

Neste Dia das Mães, um tanto de filhos não têm muito a agradecer e um tanto, talvez maior, de mães, terão os braços vazios de carinho. E isso é tão triste.

Tive a melhor mãe do mundo. Uma mulher forte e corajosa, à frente do seu tempo. Alguém que deixou tatuado em nossos corações a sua marca, a sua personalidade, os seus ensinamentos e está ainda presente em nossas vidas diariamente. Talvez falemos mais nela hoje do que falávamos quando ainda estava entre nós. Estas características poderiam ser de sua mãe? Então ótimo! Você também recebeu um presente do céu.

Hoje quero lembrar aqui das mães da guerra, das mães dos conflitos armados, daquelas que perderam seus filhos no fronte, das que têm o filho sequestrado, das que se despedem diariamente sem saber se eles irão voltar. Hoje quero lembrar das que têm filhos nos presídios, no mundo da prostituição, no tráfico, daqueles que não irão voltar pra casa, daquelas que perderam filhos. Quero rezar por todas aquelas mães que já não têm mais lágrimas para chorar.

Por outro lado, quero lembrar dos filhos que perderam suas mães, dos que foram abandonados ao nascer, daqueles que foram trocados por um punhadinho de dinheiro nos sertões do Brasil, daqueles que se descobriram adotivos de forma brusca, daqueles que dariam tudo pra viver ao lado de suas mães só mais um pouquinho.

Mas meu olhar amoroso vai para todas as mães cujas casas precisaram abandonar devido as recentes enchentes. Por aquelas que não terão um dia de surpresas, nem uma casa cheirosa, cheia de filhos e netos para o almoço comemorativo. Meu pedido a Deus é que encha seus corações de fé e esperança para enfrentar a difícil caminhada.

A vida é difícil mesmo. Como seres humanos que somos, viver vários conflitos existenciais é normal. Então eu desejo a você, que ainda tem uma mãe, que faça tudo para viver os melhores momentos enquanto a tiver por perto. Quero dizer que não se atenha às suas atitudes ruins, difíceis de compreender. Se ela por vezes é insensível, se diz palavras duras, pense em aproveitar sua companhia, mesmo que o único bem que ela tenha feito, tenha sido colocá-lo no mundo.

Sim, eu sei que algumas mães também dão trabalho aos seus, mas ela te deu a vida, sobretudo. E isso é o mais precioso feito.

Publicado em 8 de maio de 2024 (23.823)

Literatura Infantil em Foco

por Suzi Aguiar

Quase atrasada devido a estar escrevendo outras histórias, posto aqui notícias do mundo que me rodeia: os livros. E olha só, várias pessoas me mandaram mensagens: “Suzi, dia 18 é o dia do Livro Infantil”. Ver que ligam meu nome a este fato já dá um orgulho danado.
Bom, vamos lá: o Dia Internacional do Livro Infantil é dia 2 de abril, data escolhida por ser o nascimento do escritor dinamarquês, Hans Christian Andersen (1805). Autor dos clássicos O Patinho Feio e A Pequena Sereia, por exemplo, ele é considerado o pai da Literatura Infantil. Já no Brasil o Dia Nacional do Livro Infantil é 18 de abril, data do nascimento do escritor Monteiro Lobato (1882) do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que misturava folclore brasileiro com histórias contemporâneas, os nossos clássicos.

Neste mês tão importante para o público Infantil e, claro, para educadores de todo o país, duas histórias tristes, de pessoas lindas de alma, predominaram nos noticiários. A morte de Ziraldo, por exemplo, entristeceu a todos nós. Um gênio de alma pura, de sorriso fácil, de leveza ao escrever e ao falar pra todos nós. Suas mensagens não contavam apenas com palavras, mas com traços precisos, certeiros na tarefa de comunicar e de fazer rir. Será que existe alguém que não tenha sido seu fã? Difícil acreditar.

Ele foi criador do Menino Maluquinho e de centenas de outras obras infantis. Mas também teve papel fundamental na época da Ditadura Militar, sendo um dos fundadores do Pasquim, jornal alternativo brasileiro semanal que circulou de 1969 a 1991, reconhecido pelo embate entre a cultura imposta e o papel da oposição ao regime. “Algumas pessoas sempre vão existir nas histórias que contaram”. Você concorda? Ziraldo foi e será sempre único, não terá substituto, eu acredito.

No dia 5 de abril, a escritora Roseana Munrray, também com uma centena de livros infantis publicados, foi atacada por três cães da raça Pitbull enquanto andava pela rua em seu bairro no Rio de Janeiro. Uma história trágica, pois perdeu o braço direito, uma orelha e teve tantos outros ferimentos. Embora com um enredo triste, teve uma narrativa feliz, quando muito rápido se recuperou e sem lamentações demasiadas disse que segue sua caminhada porque tem muito o que escrever. Um exemplo de superação incrível.

Enquanto isso, eu aqui continuo amando este contexto e desejando que escolas de todo país levem até seus pequenos alunos as diferentes historinhas que cobrem prateleiras e mais prateleiras de estantes de bibliotecas e livrarias de todo país.

Sinceramente, acredito que os livros imortalizam história verdadeiras ou inventadas e não vejo a possibilidade de as tecnologias tomarem conta deste segmento. Enquanto houver um escritor criando e uma editora publicando, haverá centenas de pessoas folheando as páginas de um livro. E para mim este é o mais bonito cenário.

Publicado em 23 de abril de 2024 (23.360)

Comemore a saudade

Por Suzi Aguiar

“Saudade é um sentimento tão bonito que deveria ser comemorado”.

E pensar nas recordações e sensações que estão relacionadas a ela dá uma nostalgia danada. A saudade tem muitas vestes, a cada novo dia a gente sente saudade de alguém, de alguma coisa ou de algum momento. As memórias construídas ao longo da vida vão se sobrepondo o tempo todo.

Pense na época da infância, quanta coisa linda a gente viveu. Quanta molecagem, brincadeiras, primos reunidos, subir em árvores e colher o pero de maio – que nem existe mais. Para mim, em especial, a saudade da bala puxa-puxa que muito cedo aprendi a fazer.

Se penso na adolescência, a saudade parece mais recente. E é, não é mesmo? Lá se vai meio século. Saudade das pernas bambas quando olhares se cruzavam, do primeiro roçar de lábios, do primeiro beijo de língua que era um marco entre a infância e a adolescência. “Sério, você beijou de língua?”. As amigas queriam saber tudo sobre aquele momento. E esta saudade é aquela capaz de multiplicar o sorriso dos lábios. Mas também tem a cor das bochechas vermelhas de vergonha.

Saudade dos filhos pequenos é bom de sentir. A inexperiência aprendendo com a vivência dos mais velhos. A insegurança sendo superada na mais bonita aprendizagem da vida que é se tornar pai ou mãe.

Se eu penso na época da faculdade, então a saudade é um mix de sentimentos. Um sonho realizado tardiamente, quase no limite entre ser caloura e ter um filho calouro. E aí a saudade tem o gosto da luta, do correr atrás, do buscar aquilo que sempre sonhei.

Há a saudade das pessoas que nos deixaram. Dos amigos que a vida se encarregou de separar, de antigos colegas de trabalho, dos vizinhos que se mudaram, dos amores que ficaram no passado. Esta saudade é pura volta no tempo, é de sentir o coração apertado com vontade de rever tudo outra vez.

Tem ainda a única saudade que a meu ver é digna de lágrimas, que é a saudade daqueles que já partiram para outra dimensão. Aí a saudade é infinita, mas que pode vestir a roupagem da fé e se proteger nas nossas crenças. Eu, especialmente, transformo esta saudade em lembranças constantes, diárias mesmo, dos momentos corriqueiros, brincadeiras, cheiro do perfume, gosto das comidas preferidas, risadas, gestos de mãos, sorrisos, conversas bobas. Coisas simples que os trazem de volta a qualquer momento que eu desejar. Aprendi, embora a duras penas, a conviver com essa saudade e transformá-la em sorriso nos lábios. Tenho estas pessoas amadas tão dentro do meu cotidiano, que sonhar com elas é fácil e constante. E quando isso acontece, acordo mais feliz. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, “porque a saudade, essa saudade assimilada, ninguém a rouba mais de mim”.

A saudade é um sentimento constante e infindável porque ela se renova a todo instante. Ela é parte constante de cada um de nós. E mesmo significando a ausência de algo ou de alguém deve ser comemorado porque torna o passado vivo e presente.

E você, concorda comigo que a saudade deve ser comemorada?

Publicado em 15 de abril de 2024 (23.129)

Autismo: conhecer é o primeiro passo

por Suzi Aguiar

No dia 2 de abril é o Dia Internacional de Conscientização sobre o Autismo. Conhecer o que o cerca é muito importante, especialmente se você percebe algumas destas atitudes em crianças de sua convivência. Fique atento:

Pode ser dificuldade de contato visual e de interação, dificuldade de fazer imitações e de atender quando são chamadas. Não compartilhar e nem buscar atenção, ter dificuldade de aceitar mudanças de rotina, de controle motor. Quando bebês, não balbuciam e não dão o sorriso social, que é aquele primeiro sorrisinho que percebemos ainda com 3 meses, podem ter atraso na fala. A criança ter excessivo apego a determinados objetos, possuir movimentos estereotipados como bater as mãos, balançar o corpo, intolerância a barulhos altos ou luz forte, dificuldade em comer ou tocar determinadas texturas, entre outros.

Ter alguns destes sintomas não significa necessariamente que a criança seja autista, mas buscar o conhecimento, lendo ou consultando especialistas vai ajudar muito a sanar dúvidas.

“Seu filho é autista”. O medo e a insegurança são os sentimentos mais comuns quando este diagnóstico é anunciado aos pais, especialmente se é uma criança com mais comprometimento. Alguns sentem vergonha e escondem o diagnóstico. Mas o que realmente deve prevalecer é o amor e o desejo de ajudar a criança a se desenvolver. Para isso, buscar conhecer tudo o que insere “o mundo azul” é a maior prova de amor.

Sabendo que centenas de pessoas estão passando por dificuldade de aceitação, não me canso de alertar: tudo vai ficar bem! Basta entender a situação. Ela é muito menos assustadora do que parece. O que é necessário para a criança é estar cercada de profissionais especializados e inserida em um seio familiar em que haja empenho e boa vontade para aprender e ensinar.

As crianças já podem ser acompanhadas desde o princípio. Quanto mais precoce for o tratamento, mas resultados positivos. Atualmente já existe terapias pagas pelo SUS e Planos de Saúde. Com o diagnóstico, há a opção de frequentar clínicas neurológicas infantis, tendo acompanhamento com Psicóloga, Fonoaudiólogo e Terapeuta Ocupacional (TO). No outro período a criança continua frequentando a escola. Há cursos online, para pais e professores sobre TEA – Transtorno do Espectro do Autismo. E, quando a criança é cercada de olhares carregados de informações e brincadeiras com intencionalidade, os resultados são surpreendentes.

Um fato importante a abordar é que, se seu filho tem a suspeita de autismo, não fugir da situação é o primeiro passo. Leia, conheça todos os aspectos e o ajude a se desenvolver e ter uma vida feliz. Ele tem um grau mais elevado? Vai precisar ainda mais da sua aceitação. Há milhões de autistas trabalhando normalmente, muitos nem têm noção de sua condição. Pesquise, estude, dê isso de presente a você e àquela criança que pode ter autismo.

Sugiro conhecer @MarcosPetry CLIQUE AQUI, ele é um autista de 30 anos, palestrante, uma pessoa incrível. Conhecê-lo trará muitos esclarecimentos e novas esperanças.

Publicado em 1º de abril de 2024 (22.390)

Páscoa: Cristo e Coelhinho

Por Suzi Aguiar

Com o passar dos anos os modelos de famílias se renovam. São outros tempos, outros moldes de sociedade. Também a oração em família, tão comuns quando éramos crianças, quase não existe mais, especialmente em lares jovens. Que pena! Que pena que não soubemos passar esta tradição para os nossos filhos e netos.

No mês em que antecedia a Páscoa, quando crianças, nós frequentávamos as novenas na vizinhança, tínhamos os dias de confissão na escola e uma semana inteira antes da Páscoa de celebrações na igreja. E não podíamos faltar a nada! Hoje tudo está menos intenso. Continua existindo, mas abrangendo um público bem menor e a culpa é das famílias que estão deixando as tradições morrerem.

Jesus, o rei modesto, já entrou em Jerusalém montado em seu burrinho e foi saudado pelo seu povo no Domingo de Ramos. Ele também já expulsou os mercadores que comercializavam dentro do templo, na Segunda-feira Santa. E você, lembrou destes fatos históricos?

Na Quarta-feira Santa, Jesus previu que Judas, um dos Doze, o trairia. Trinta moedas de prata foi o preço de sua traição. Neste dia, Pedro também o negaria três vezes, Ele sabia. Na Quinta-Feira Santa, se traz à memória a Última Ceia, a Instituição da Eucaristia e o Sacramento da Ordem: quando Jesus proferiu “Façam isso em memória de mim” . Naquela ocasião, Jesus, demonstrando toda sua humildade, lavou os pés dos Doze Discípulos, cena que será replicada pelas igrejas do mundo inteiro nesta semana.

Na Sexta-feira Santa, todo o sofrimento de Jesus ao ser pregado na cruz e a sua resiliência devem ser lembrados. Fazer jejum, abster-se de carne ou de algum prazer como sacrifício são costumes indicados aos católicos. No Sábado de Aleluia, o silêncio, o recolhimento e a oração pela morte de Jesus. E no Domingo de Páscoa, a comemoração da vitória sobre a morte, a vida, a ressurreição de Cristo. Para os cristãos, a passagem para uma vida com mais amor a Deus e ao próximo, caridade aos necessitados, perseverança. Pena que todos os preceitos insistentemente relembrados neste período são pouco a pouco deixados de lado até a próxima quaresma.

Ah, e os ovos de chocolate? Deixa o coelhinho da Páscoa se encarregar de trazer para a criançada, mas não esquece de ensiná-las o significado real da Semana Santa para aqueles que não acreditam mais na bondade deste bichinho, hem?

Publicado em 26 de março de 2024 (22.229) 

Onde foi parar o tempo?

Por Suzi Aguiar

Aqui estamos nós, em março de 2024.

Mas a gente nem percebeu quando deixou as bonecas de lado e nossos corpos começaram a se portar diferente diante de olhares se cruzando com os nossos. Eram os primeiros olhares tímidos, sorrisos bobos, pernas bambas… Pré-adolescência?

Lembramos como se fosse hoje. O caminho da escola era percorrido em bandos de meninas com risadas altas, olhares furtivos para os locais onde estavam aqueles que despertavam em nós sensações que antes desconhecíamos.

A ampulheta da vida se moveu lentamente até os 15 anos, mas muito rápido depois deles. Um tempo de muitas descobertas, de pequenas responsabilidades e as primeiras pinceladas de um futuro que estava por vir. Curtimos o matinê, sentados cada casal num cantinho de fileiras subsequentes. E os filmes? Pouco assistimos, mas para muitos ali foi o tempo do primeiro beijo. Curtimos os Jogos Abertos, Gincanas Culturais, o Zip Dog, o Caneco de Ouro, o Grêmio. Curtimos? Só se não precisássemos nos esconder dos pais ou mães, à nossa procura, quando não voltávamos no horário marcado. Quantas de nós têm estas lembranças? Todas será?

O tempo foi capaz de voar na noite do reencontro. E ali estávamos, felizes, cheios de emoção a cada abraço. No palco das memórias, as músicas encenaram o papel principal. Bastavam os primeiros acordes e era como se estivéssemos recebendo as serenatas. Dançamos agarradinhos, de olhos fechados, foi pura emoção! E naqueles momentos, o tempo entre o passado e o agora não existiu.

Mas onde, mesmo, foi parar o tempo entre a adolescência e a vida adulta? Entre as correrias para “fazer a vida”, para criar os filhos? E o tempo entre tudo isso e a chegada dos netos? Onde foi parar o tempo entre aquele tempo e a noite do reencontro? Não há como explicar a emoção de estar ali, à espera de cada abraço, de cada sorriso – o primeiro traço que nos reconectou à juventude.

Foi uma noite incrível! Esquecemos as intermináveis conversas sobre os remédios e deixamos o passado e a juventude tomar conta da gente por inteiro. O tempo foi insuficiente, sim. As perguntas eram infindáveis. Queríamos saber o que cada um tinha feito neste tempo, em que o tempo nos fez senhores e senhoras da terceira idade.

Mas eu juro que todo este tempo ainda não me foi suficiente para eu me convencer que sou uma senhora. Olho para aquela menina magrinha de cabelos pretos que teima em morar na minha memória e para a outra, aqui na extremidade oposta, de cabelos brancos, pele marcada pelas cicatrizes da vida e me pergunto:

Onde, mesmo, foi parar o tempo entre a menina de 15 e a vovó de 65?

Publicado em 25 de março de 2024 (22.205) 

Tudo o que eu precisava ter lido (ou ouvido)

por Suzi Aguiar

Dia do rosa, cor de mulher, cor da submissão, cor de quem espera, de quem acolhe, aconchega, de quem aceita, de quem silencia, obedece… só que não, não mais!

Cor de mulher é a cor que ela quiser, cor fria ou quente, leve ou forte, opaca. A submissão a gente troca pela palavra compartilhar, compartilhar o amor, a divisão de tarefas, a divisão de despesas, o respeito, as obrigações com os filhos e com a casa. A gente espera junto a barriga crescer, a poupança render, as contas findarem. A gente aconchega o filho que se machucou, o que está cansado, os pais doentes. Não, não devemos silenciar nenhuma injustiça, nenhuma agressão moral, verbal e muito menos física. Não, a gente não obedece, a gente consente e apenas se concordar.

Obedecer? Somente as regras do trabalho, as de trânsito, as de convivência a dois, mas não aquelas que porventura queiram teimar em viajar do passado até aqui, o autoritarismo, o machismo, a prepotência, a malandragem e a safadeza. Não aceitamos nenhuma delas!

As mulheres nunca foram e nunca serão o sexo frágil. Claro, sempre há uma parcela delas “criadas para o casamento” e que sempre vão depender dos maridos, mas é uma minoria esmagadora. Assim como há maridos que não sabem proteger, os que são eternos filhinhos da mamãe… Mulheres solteiras, viúvas ou separadas se viram. Superam as dificuldades. Conseguem segurar as pontas e levar à frente a vida delas e dos filhos. Já homens sós, ao contrário, bem poucos dão norte às suas vidas com tranquilidade, sem ajuda feminina. Normalmente se casam de novo.

Há tanto pra se dizer neste dia! Falar do abuso sexual, do abuso moral, falar do número estarrecedor de mulheres que sofrem estupro diariamente, dos feminicídios. Falar de traições, das diferenças salariais, da falta de oportunidade em fazer os exames mais elementares como a mamografia e o Papanicolau. Todos os programas acharam uma brecha com o tema Mulher.

Hoje, nas redes sociais, milhares de mensagens foram replicadas, mas amei uma em especial que dizia: “Lembre-se do tamanho de sua força e coragem. Orgulhe-se de sua história. Acolha as suas vulnerabilidades. Se aceite sem medo da cobrança e do julgamento. Seja livre para fazer as suas escolhas. Lute pelos seus sonhos. Jamais aceite menos do que você merece.”

Puxa, queria tanto ter escrito este pensamento! Achei que ele disse tudo o que eu precisava ter lido ou ouvido neste dia.

E você, conseguiu tirar proveito de alguma mensagem de hoje?

Publicado em 8 de março de 2024 (21.950) 

Servidos?

por Suzi Aguiar

Estou sentada aqui na mureta da praia. É finalzinho de tarde, o sol já foi embora e este povo todo que aqui está acho que não tem nada melhor pra fazer. O cheirinho de milho verde exala saboroso, crianças comem churros coloridos, meninos jogam bola. Bebês com suas mamães fazem buraquinhos na areia, meninas brincam com as pranchas. Será que estas crianças ainda não estão indo para a escola? Mas o que tenho certeza mesmo é que as garotas normalistas, aquelas que beiram 70, 80 anos, estão todas por aqui em grupos animados fazendo poses para suas selfies.

Muitos fazem caminhadas tranquilas sem se importar com a beleza de seus corpos. Há alguns poucos que me causam inveja absortos em seus livros que a horas tento descobrir o título e, por mais que vire o pescoço, não consigo.

Mas o que me chama mais atenção é meu estômago doendo de fome. E aí tenho que admitir, é uma droga essa dieta que mais uma vez enfrento. São remédios pesados, alimentação rigorosa, exercícios puxados e caminhadas longas. Os resultados são visíveis, a saúde pede, mas o que com certeza vai acontecer no final de tudo isso, é que vou atingir meu objetivo, parar as medicações fortes e pouco a pouco voltar tudo de novo… e isso dá um desânimo enorme.

Dá uma vontade de comer coisas gostosas todos os dias sem se importar com a balança, abandonar os exercícios que nunca gostei e as caminhadas que me entediam. Mas, sei, não devo não é mesmo? O grilo falante da consciência da historinha do Pinóquio também fica grilando no meu ouvido que a saúde exige, a idade exige, o corpo precisa estar mais harmônico para se ter longevidade.

Tá, mas então quem inventou que não podemos engordar? Que o bonito é ser magra? Se para todo lado que olho só vejo pessoas gordinhas, obesas até? Sejam homens, mulheres e até crianças?

Bora pra casa, caminhando devagar para demorar um pouco mais a chegar. Hora de preparar aquele cafezinho saboroso que não vou tomar e ralar cenoura, cortar repolho, cebola, pepino, refogar tudo, colocar uma pitadinha de sal e umas três pitadinhas de queijo ralado pra enganar o paladar, acrescentar ovos cozidos e fingir ser um jantar maravilhoso, acompanhado de um super copo de água bem gelada. Servidos?

Pior é que já sei que lá no final da linha serei perdedora de novo…

Publicado em 26 de fevereiro de 2024 (21.816) 

Do borralho à avenida

por Suzi Aguiar

As últimas semanas foram intensas. Passara os dias trabalhando na sessão de fantasias. Ajudara muitas pessoas na escolha da melhor opção para os dias de folia. Mais uma vez o desejo de se vestir de super-herói fora superado pela figura colorida e doce do unicórnio.

O dia termina. Cansada do vai e vem, do desdobra e dobra, de dar elogios nem sempre verdadeiros, da forcinha para uma boa escolha, a loja fecha. Ela se dirige para o ponto de ônibus.

O corpo cansado agora repousa no pequeno sofá puído pelo sol. Os pés estendidos precisam de uma pausa. Fecha os olhos e dorme ali mesmo. A cortina entreaberta deixa passar a luz da rua. Os últimos raios de sol se despedem dando passagem para a lua entrar. A quietude do lugar acalenta o sono até que o celular avisa que já é hora de acordar.

Um banho morno e demorado revigora. O corpo, agora relaxado, reclama de fome. Mas tudo já estava preparado. Depois de uma refeição completa sente que, agora sim, a festa pode começar.

Ainda de roupão abre a maletinha e com traços firmes a maquiagem vai transformando aquela figura meio sem graça. Corretivo, base, sombras coloridas e brilhantes, cílios postiços muito longos abrem o olhar. Por fim, um batom vermelho. Olha para o espelho e sorri para o reflexo que vê.

Abre a porta do pequeno armário e retira sua fantasia. Não, ela não fora comprada às pressas numa loja de departamento. Fora cuidadosamente escolhida no galpão de sua escola. Foi paga a longas e dolorosas prestações, mas que lhe presentearam com o gostinho bom do “eu posso”, “eu vou ficar linda”.

Veste-a. O corpo escultural fica a mostra. Sua profecia se concretizou.

A garota das semanas passadas ficara ali, trancada no pequeno quartinho, numa casa muito simples de comunidade. Enquanto aquela transformada pela beleza e exuberância das cores e brilhos desce a pé pelas ruelas, com o coração acelerado, o Uber a espera. Entra. O olhar vago percorre o caminho, a trajetória para a realização do sonho passa como filme por sua mente. Os sacrifícios, as opções, a difícil escolha e a certeza de que, sim, é verdade! É ela quem veste a fantasia.

O som da bateria já é ouvido de longe. O carro desliza devagar nas ruas que margeiam a grande avenida. Ele para, ela desce. Caminha devagar querendo saborear cada segundo, querendo viver por inteiro a realização daquele sonho. Com coração acelerado para diante do gigante. É ajudada a subir no lugar mais alto. Vê a multidão. Engole a seco. Apenas uma lágrima cai antes de ser tomada pela euforia. E canta! Canta o samba-enredo do começo ao fim da avenida. Saboreia os aplausos, agradece a chuva fina que refresca.

O sol brilha no céu quando a porta fecha, deixando do lado de fora aquela que o brilho transformou. Como a cinderela ela volta para borralho até o próximo carnaval.

Publicado em 9 de fevereiro de 2024 (21.586) 

Onde guardas teus sonhos?

Suzi Aguiar

Hoje os meus sonhos cabem folgadamente na gaveta do criado-mudo. Guardados pertinho do meu coração! Mas já ocuparam toda a sala de estar. Apertadinhos como se estivessem num dia de grande festa ou como sardinhas em lata. Aí você, caro leitor, pode me perguntar: O que houve então? Por que agora cabem apenas numa gavetinha? E eu preciso parar para pensar e responder.

Eram muitos, alguns acalentados desde a infância. Alguns realizei com maestria, alguns com menos pompa. E houve aqueles que ficaram esquecidos de tão insignificantes que eram. Outros deixei de lado porque perderam o sentido ou a importância.

Guardá-los na gaveta é minha nova estratégia. Ela fora adquirida como fruto da maturidade, período da vida onde já não cabem mais superficialidades. A gaveta fora arrumadinha com cuidado, já que nela pouco cabe. E de tempos em tempos a revisito pois não posso retê-los ali indefinidamente. E assim, corro atrás de realizá-los logo pra puder sonhar outros sonhos, alçar outros voos.

Enquanto os guardava na grande sala os deixava desorganizados, sem nenhuma hierarquia. E eram tantos que até podiam ficar escondidos num cantinho passando despercebidos por longo tempo. Alguns se perderam nas frestas do assoalho da vida, outros foram mofando até ficarem irreconhecíveis, e tinham aqueles vazios de essência, que por isso, foram esquecidos.

Mas com a chegada da maturidade a faxina na sala fora necessária. Ninguém chega nesta fase da vida impune. Um determinado dia você acorda e, do nada, se vê cansada de correr atrás de sonhos bobos e passa a ser mais seleta. Foi numa noite de virada de ano que a magia aconteceu e aí percebi que sem priorizá-los não os buscava de verdade.

Para minha surpresa ao organizar o caos encontrei sonhos que não eram sonhos, mas apenas desejos inócuos, vontades bobas. Mexi e remexi em cada cantinho da grande sala e fui classificando-os com cuidado. Nesta seleção inevitavelmente precisei rever conceitos, sentimentos, atitudes. Pude constatar que muito em mim havia mudado, que a vida fora dura em alguns momentos, mas que justamente eles me fizeram mais humana e assim, os sonhos foram se modificando. Mas há ainda o que se buscar.

Ali, sentada no chão da minha essência, me vi recolher juntando apenas um punhadinho de sonhos que quero realizar. Eles são claros, límpidos e palpáveis! E estou disposta a vivê-los!

Boralá! Faz uma faxina aí!

Publicado em 1 de fevereiro de 2024 (21.565) 

20 Anos sem Talita

por Suzi Aguiar

Olho para trás e vejo a imensa caminhada que nos trouxe até aqui. 20 anos de uma jornada que atravessou muitas intempéries para tempos depois seguir o caminho em paz. Foi em 26 de janeiro de 2004 que a cidade parou para chorar conosco a partida precoce de Talita. Aqui nasceu e daqui partiu. Vítima de uma acidente de trânsito. Foi e deixou saudade. Agora abre as asas sobre nós e guia-nos com sua luz.

Viver a morte de um filho é a pior dor que um ser humano pode passar. É a dor que não tem nome, que não há medida e nem comparação. Quem diz “eu posso imaginar o que você está passando…” Não, não pode! Dói muito. Não é metáfora. É uma dor física mesmo, que transcende a tudo, que aperta a carne, que esmaga o coração. Pensar nos dois primeiros anos ainda hoje é muito difícil. Quando essas lembranças vêm, procuramos mudar rapidamente os pensamentos porque parece que tudo ocorreu há poucos dias.

Mas a fé que temos fez com que cada um buscasse nas suas crenças o guia que conduziu nossa direção. Passados tanto tempo podemos sentir que o amadurecimento de nossa espiritualidade é palpável. As experiências dolorosas nos fazem crescer, a menos que vivamos tão imersos na dor que não busquemos a superação. Muitos pensam que superar é esquecer. Não. Superar é viver sem cobranças a Deus, sem lamentações contínuas. É oportunizar a si mesmo trilhar um caminho mais leve, aceitando que a separação foi necessária, que era destino.

Talita continua viva em nossas memórias e em nossos corações. Falar sobre ela, recordar coisas vividas são assuntos corriqueiros em nossa casa. Temos a felicidade de que todos a nossa volta também falem nela sem aquele fiozinho de dor, porque construímos muito bem o futuro que hoje vivemos, de paz e, de novo, de alegrias.

Neste tributo, o que fazemos, além de mantermos financeiramente os cuidados da pracinha em frente ao cemitério que tem o seu nome, é a luta incessante para que haja fiscalização por parte das autoridades municipais, para que se cumpra os deveres impostos pela terceirização quanto a limpeza do cemitério, incluindo a contratação permanente de um zelador. Sim, esta luta começou em 2004 e nunca cessou. O que vem mudando desde então é a boa vontade ou não de cada administrador em atender às nossas solicitações.

Na época de sua morte, comecei a escrever um livro. Foi a maneira de eu encontrei de exorcizar a dor. Muitas vezes escrevia chorando sem parar. Mas o tempo, mutável, foi traçando um norte e minhas emoções, que mais acomodadas, iam contando a história. A tecnologia me permitiu escrever, reescrever, voltar e começar de novo tudo aquilo que meu coração não encontrava eco, ou que ia curando. Nele falo da luta judicial e de um coração sem mágoas ou ressentimentos. Do desejo de que todos sintam comigo que o tempo é o senhor de todas as coisas e de todas as verdades, que a gente pode ser feliz novamente, apesar de tudo.

Mas o que nunca mudou foi o título Sob um Céu Azul, Vivendo e Vencendo o Luto. Minha meta para 2024 é finalmente publicá-lo. Com ele espero poder atravessar o luto com outras pessoas. Mostrar como nós caminhamos para irmos controlando as emoções que nasciam a cada novo dia. Se eu puder ajudar a apontar a luz para outros enlutados, terei cumprido o meu propósito.

Sim, hoje somos felizes novamente, vivendo na certeza de que um dia haverá o reencontro. Esperamos, resignados, pelo dia de abraçar nossa estrelinha de luz, Talita.

Publicado em 24 de janeiro de 2024 (20.502) 

Mergulho em outra cultura

Por Suzi Aguiar

O céu predominantemente em escalas de cinza dava um ar triste. No entardecer centenas de corvos levantavam voo das árvores despidas pela estação. A revoada manchava a paisagem e a pipocava de preto, com o som muito agudo chamava a atenção. Lá os corvos não são da mesma espécie que os nossos aqui do Brasil e, por isso, não comem carniça.

Bruxelas é diferente de todos os lugares que visitei. A arquitetura com casas milenares, germinadas, dão um ar bucólico, especialmente com a garoa fina que desce feito véu. Fiquei por lá por 54 dias e, assim, fiquei tanto tempo sem escrever e, portanto, longe desta coluna. “Sorry”, um dos meus desejos para 2024 é estar muito à vontade por aqui. Aguardem, outros planos irão favorecer este desejo.

Mal pisquei os olhos e já era hora de voltar. Cheguei de volta aqui no amanhecer de 2024. Estive na Bélgica por 54 dias envolvida com a chegada do pequeno Bran, nosso segundo neto. Pode haver melhor presente do que estar as voltas com fraldas e ainda apreciar as tradições de Natal de um outro continente?

Bran nasceu no dia 20 de novembro e ficou na maternidade por 5 dias. Durante toda a cesariana ficou no colo do pai, diferente do Brasil que tão logo a mãe adormece o filhote vai para o bercário. Ele só tomou banho no terceiro dia quando os pais ouviram as recomendações da pediatra: “…banho só de 5 em 5 dias”. Bem que tentamos! Mas neste caso a tradição brasileira foi mais forte. Lá a água tem muito calcário e a pele resseca bastante. E, também, é muito cara. Será que estes aspectos contribuem para o hábito dos europeus de tomar pouco banho?

Durante as 4 primeiras semanas em casa, Bran recebeu atendimento de uma enfermeira, que lá tem status de médico e pode inclusive prescrever medicamentos. Suas visitas eram de até duas horas onde orientava sobre amamentação, cólicas, etc. Na alta do hospital já recebemos o calendário com as consultas semanais com o pediatra em uma clínica de medicina preventiva. Onde não há perigo de expor o bebê a doenças. Comprovamos que no primeiro mundo os impostos são altos, mas realmente voltam ao contribuinte.

É inverno. Amanhece por volta de 8:30 e escurece as 16:30. Levávamos Gael, o neto mais velho, para a escola às 8 horas e ainda era escuro. Pegamos temperatura de -6°C e o caminho coberto de neve. Mas ouvimos: “Vovó, aqui é normal. Sempre faz muito frio ou chove e está tudo bem”. Na rua ia fazendo bolas de neve e jogando na gente. “Na escola os recreios nestes dias são bem mais legais”, concluiu.

Por incrível que pareça sinto mais frio em São Joaquim do que lá. Todas as casas têm sistema de aquecimento e podíamos ficar de manga curta quando chegávamos da rua. Para sair, as três camadas precisam ser respeitadas: camiseta, blusa de lã e um casaco pesado, preparado para o frio local. Se as temperaturas baixam de 0°C, aí sim uma camada térmica é necessária. Nos supermercados, farmácias, lojas, hospitais, taxis, ônibus, trens há aquecimento. Portanto, frio só enquanto estamos na rua.

Quando viajo gosto de conhecer as tradições dos locais por onde passo. Bruxelas é a capital da Europa e carrega tradições milenares. Com o salário-mínimo no valor de 1.953 euros, que multiplicados por 5, soma uma quantia suficiente para uma família viver bem, podendo até participar das tradições locais.

Fui conhecer a feira de Natal montada nas ruas principais: tem barraquinhas de comidas e bebidas típicas, uma experiência incrível para ver e degustar. É muito comum encontrar pessoas de pulôver com desenhos característicos das festividades. A maioria das árvores de Natal eram naturais, algumas já estão nas famílias há muitos anos. E, claro, não podia faltar a pista de patinação no gelo onde adultos e crianças mostram suas habilidades. E eu? Bem, faltou coragem para testar a experiência. Mas não! Não tive o privilégio de um Natal com neve…

Publicado em 18 de janeiro de 2024 (20.269) 

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